- Esse vestido é da Lua? - perguntei a Mel repentinamente.
Ela baixou o olhar, sorrindo.
- Sim, ela me deu.
- Por quê?
Sabia que não estava sendo muito educado, mas não entendia porque Lua lhe daria seu vestido verde. Era um de meus favoritos, e não pude deixar de reparar que o caimento parecia muito melhor na Lua.
- Acho que ela se cansou de usá-lo. - respondeu Mel, dando de ombros.
- Assim ela vai me frustrar muito. - comentei como se Mel não estivesse ali.
Estávamos no Anthony's, casa de massas, e minha cabeça parecia que ia explodir. Conseguira passar por todas as entradas e petiscos sem mencionar o nome da Lua, fazendo o maior esforço para ser atencioso e enxergar a Mel como alguém com quem poderia ter encontros.
Quando o garçom trouxera o café, um romance com Mel já estava definitivamente fora de cogitação na minha cabeça. Do jeito que a via, ela era a melhor amiga da Lua. Acho que ela é uma grande garota, mas toda vez que a olhava via Lua. Agora estava me deixando discorrer à vontade sobre o assunto que tinha ocupado minha mente o dia todo: Lua Blanco.
- Presumo que estamos falando de Lua. - comentou ela, erguendo as sobrancelhas.
- Sim.
- Acho que você a frustrou também. - observou Mel com voz séria. Depois tomou um gole do café, esperando que eu dissesse alguma coisa.
- Eu a amo demais. - Coloquei mais creme na xícara e comecei a mexer, pensativo.
- Ela ama você também. - disse Mel com um suspiro.
- Verdade?
- Sim, verdade. E pensar que cheguei a acreditar que tinha sido convidada para um encontro hoje à noite. Parece que você realmente precisa é de um analista.
Balançou a cabeça e riu para si mesma. Naquele instante percebi a mancada que tinha dado.
- Mel, me desculpe. Não tinha intenção de ficar o tempo todo falando da Lua. Vamos conversar sobre outra coisa. Como... ah, para qual faculdade você vai?
Ela sorriu delicadamente de novo.
- Arthur, não venha me dizer que está interessado em saber para qual faculdade irei. Para ser honesta, você não é tão bom ator assim.
- Puxa, sou tão transparente assim? - perguntei envergonhado.
- Desde que foi me buscar, percebi que sua mente tem estado muito longe.
Ela recostou-se, dobrando e desdobrando um guardanapo de papel.
- Pensei que se a gente saísse, esqueceria como...
Não estava bem certo do que tentava dizer.
- Esqueceria que você está apaixonado pela Lua. - completou Mel maliciosamente.
- Não! - Protestei mais que depressa. - Quero dizer, esqueceria que acabei o namoro com a Pérola e tudo o mais.
- Por favor, me poupe. Você e Lua estão apaixonados, e todo o mundo no Elite Way sabe disso há anos. Se pelo menos vocês encarassem a realidade e ficassem juntos, o resto de nós tocaríamos nossas vidas.
Meu coração estava disparado e quase perdi o fôlego.
- Você acha mesmo que Lua me ama?
Ela colocou a xícara de café sobre a mesa com força.
- Arthur, eu sei que ela está apaixonada por você. Precisava vê-la outro dia. Ela dizia que não se importava de que você me convidasse para sair, mas estava quase chorando!
- Você está me dizendo a verdade?
Minha boca estava seca e estiquei o braço para pegar um copo de água gelada.
Mel esfregou a testa.
- Pense nisso, Arthur. Você sabe, eu tenho sentido uma queda por você nos últimos dois anos. Agora, finalmente, estamos tendo o que parecia ser um encontro. Acredita realmente que eu passaria a noite dizendo que Lua e você deveriam estar juntos, se não tivesse cem por cento de certeza?
Ela terminou de falar e fez sinal para o garçom trazer a conta.
- Entendo seu ponto de vista. - disse eu, quase sussurrando.
- Bom. Agora vamos embora. Tenho certeza de que você quer ir para casa e pensar na Lua.
- Mel, me promete que não vai dizer nada para a Lua sobre o que nós conversamos esta noite.
Prendi a respiração, esperando que ela concordasse em manter o bico fechado.
- Prometo. – respondeu ela.
Respirei aliviado.
- Como posso agradecer por você ser tão legal? – perguntei. - O céu é o limite.
Ela apontou para a nota em cima da mesa.
- Diga você. Vou deixar que pague o meu jantar.
- Feito. – disse.
Claro que teria pago o jantar dela de qualquer modo.
- E poderia me fazer um outro favor? – ela perguntou colocando o casaco.
- Qualquer coisa.
- Nunca mais me convide para outro encontro. - ela sorriu e pude ver por seus olhos que estava contente.
Peguei em sua mão e beijei-lhe a testa.
- Sabe, Mel Fronckowiak, você é muito legal.
Estava assoviando quando saímos do restaurante. Na verdade, cantei por todo o caminho de volta.
Assim que cheguei em casa subi para meu quarto. Em minha cabeça já estava ligando para Lua. Tínhamos muito o que conversar.
Mas quando sentei na cama, com o telefone a meu lado, de repente me senti meio desmotivado. Conversando com a Mel, tudo parecera simples. Agora que estava sozinho, meus sentimentos eram muito mais complicados. Lua e eu temos sido amigos há anos. Nossa relação tinha se acertado de uma forma que eu não queria mudar.
Coloquei o telefone de volta na cabeceira e caminhei até o quadro de avisos pendurado na parede. Toda a superfície estava coberta com fotos dos dois primeiros anos no Elite Way. Lua aparecia em quase metade das fotos. Uma das grandes chamou minha atenção.
Minha mãe tinha tirado a foto durante a primavera de nosso ano de calouro. Lua e eu estávamos trabalhando, junto com um monte de colegas, em um lava-rápido. Recordei-me de que levantamos fundos para ajudar um hospital de crianças...
Lá pelas três horas da tarde o movimento caiu um pouco. Estávamos mortos de cansados e todos meio no bagaço. De repente, peguei a mangueira de água e espirrei em Lua. Ela reagiu virando um balde de água com sabão sobre a minha cabeça. Depois disso todo mundo entrou na brincadeira. Após vários minutos de água e sabão voando por todos os lados, caímos na risada geral.
Quando larguei a mangueira de lado, vi que minha mãe tinha trazido nosso carro para lavar. Ela segurava uma câmera e estava a uma distância fora do alcance da água. No momento anterior, Lua tinha chegado perto para me cumprimentar. Ainda me lembro de que nossas mãos estavam cheias de sabão e escorregadias. Minha mãe tirou a foto exatamente nesse instante.
Mesmo em pé no meu quarto, sozinho, a imagem me fez rir alto. Rindo e me cumprimentando, Lua era a imagem perfeita dela mesma. Foi num relance que sua essência saltou da foto e se aninhou em meu coração.
Olhei para outras fotos pregadas no quadro. Em algumas aparecíamos Micael e eu, jogando basquete ou outra coisa. Mas minhas favoritas eram todas com Lua e eu – e minha mãe, andando a cavalo, fazendo bonecos na neve.
O que aconteceria se dissesse a Lua sobre os meus reais sentimentos e ela não sentisse a mesma coisa? Eu ficaria humilhado, para não dizer que perderia uma amiga. Nossas gozações e confidências estariam acabadas para sempre.
Mas e se Lua e eu começássemos a sair juntos e o relacionamento terminasse como todos os outros? Não havia garantias de que nosso amor perdurasse. Ela poderia conhecer alguém de quem gostasse mais, resolver que meus beijos não eram tão bons assim, ou descobrir que minhas piadinhas não eram mais engraçadas. Ficaria de coração partido e eu perderia tudo o que mais importava no mundo para mim.
Suspirei profundamente e deitei-me na cama. O telefone mudo parecia estar rindo de mim, e senti como se o atirasse na parede. Em vez disso, peguei o fone e digitei os seis primeiros números da casa dela.
Quando estava prestes a digitar o último, contudo, parei. Por vários segundos fiquei imóvel, olhando para o teto. Não podia fazer isso, percebi. Não podia arriscar minha amizade. O preço era muito alto.
Sem me importar em tirar a roupa, apaguei a luz e me enfiei na cama. "Lua nunca vai saber como me sinto", prometi a mim mesmo. "Nunca".