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sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Capítulo Quatorze


Quinta-feira, 30 de novembro

23h30

Hoje vi Pérola flertando com Patrick Mayor no saguão. E sabe de uma coisa? Não senti nada. Bom, quem sabe tenha sentido peninha de Patrick (rá, brincadeirinha!). Na verdade, eu me senti um pouco magoado. Será que signifiquei alguma coisa para ela? E, mais uma vez, será que ela significou algo para mim? Talvez Lua estivesse certa o tempo todo. É provável que eu não saiba mesmo o que é um amor verdadeiro. Mas quem sabe?

Na sexta-feira à noite Lua e eu estávamos curtindo nossa fossa atacando um banana split no Swenson's. Micael estava com a gente, mas quase não conversava. Ele só ficava olhando para o sorvete como se o futuro estivesse escrito na calda de caramelo. Nós três formávamos um grupo bem melancólico.

— Você sabe qual é o seu problema, Lua Blanco? — perguntei.

— Sei. E você ficar sempre me perguntando se eu sei qual é o meu problema — ela respondeu automaticamente.

Já tivéramos muitas e muitas conversas que começavam exatamente daquela forma.

— Errou de novo. Seu problema é que você se apaixona muito facilmente.

— Ahh, não acredito que ouvi isso do cara que me desafiou a me apaixonar. Que hipócrita!

— Mas agora estou mais velho e mais sábio — respondi. — E decidi que o amor está absolutamente fora dos limites.

Ela batucou a colher na taça de sorvete, pensativa.

— Acho que tenho uma sugestão que vai fazer você reconsiderar a sua fuga do amor.

— Duvido, mas experimente.

— Você pode convidar Mel para sair — respondeu ela, e se recostou na cadeira, com uma expressão satisfeita.

— Mel Fronckowiak? — perguntei, surpreso.

Sabia que Mel arrastava uma asinha para o meu lado, mas nunca tinha pensado em sair com ela. Quero dizer, depois de mim, ela era a melhor amiga de Lua. A idéia de sair com ela me parecia muito esquisita.

— Claro que Mel Fronckowiak. Ela é bonita, inteligente e dez vezes mais legal do que qualquer outra garota com quem você tenha saído.

— Não, obrigado. Acho que vou ficar na minha.

Naquele momento Micael desviou o olhar de sua taça de sorvete.

— Concordo com a Lua. O que você tem a perder?

Eu o encarei:

— Ei! Você não é o cara que ainda está sem namorada desde o começo do semestre?

— Mas é diferente — respondeu ele.

— Por quê?

Fiquei na expectativa do que ele ia dizer e percebi que Lua também estava curiosa. Ultimamente Micael tem feito muito segredo sobre o que se passa em sua cabeça.

Ele lambeu a colher e limpou a boca com um guardanapo.

— Porque eu vou pedir Rachel Hall, em breve. Muito breve.

Revirei os olhos.

— Ah, sei. Do mesmo jeito que você ia falar com ela uma dúzia de vezes nos últimos dois meses.

Micael corou um pouco.

— Eu teria falado com ela, mas estava em um processo de eliminação. Agora, depois de estudar quarenta e duas garotas do colégio, concluí que Rachel é a única que merece. Sem ofensa, Lua.

Lua fez que não se importava. Já estava acostumada aos comentários detestáveis sobre as mulheres da parte dele.

— Você é um mentiroso — declarei. — Não falou com ela ainda porque morre de medo de levar um fora.

Micael colocou dinheiro sobre a mesa.

— Pense o que quiser, Arthur. Mas aceite o conselho de Lua e saia com a Mel. Ficar em casa no sábado à noite não é uma boa.

Ele se levantou.

— Vejo vocês mais tarde, pessoal.

Depois que Micael saiu, Lua colocou sua colher na mesa.

— Não diga que não tentei. Se você morrer velho, grisalho e sozinho, não diga que Lua não tentou ajudar.

— Vou pensar nisso — concordei. — Mas por ora todas as minhas energias estão concentradas em esquecer que Pérola Faria existe. E é um trabalho de tempo integral.

— Então temos o mesmo patrão. Muito trabalho, pouco salário — Lua comentou. — Termina isso.

Ela empurrou para mim a taça de sorvete quase vazia. Dei umas colheradas e raspei a calda de caramelo no fundo da taça, saboreando o gostinho doce.

— Que tal a gente dar uma olhada no que vai passar na "Sessão Coruja"? — perguntei antes mesmo de engolir a calda.

— Legal — ela concordou.

— É a semana Cary Grant no canal quatro.

Ela se levantou e pegou o casaco e o chapéu do cabide. Enquanto a ajudava com o casaco, captei nossa imagem no velho espelho pendurado na parede perto dos cabides.

Estávamos sorrindo, e percebi que nos parecíamos com qualquer outro casal na sorveteria. Se não conhecesse a situação, pensaria que éramos o casal mais vibrante do colégio, jovens e apaixonados.

Duas horas e meia mais tarde, Lua desligou a televisão, no estúdio de sua casa, suspirando. Acabáramos de assistir “Philadelphia Story” e ela tinha uma expressão sonhadora nos olhos, que eu já tinha visto muitas vezes antes. Apesar de sua aparência meio durona, Lua sempre foi do tipo manteiga derretida em relação a romances.

— Você acha que algum cara pode me amar tanto quanto James Stewart amou Katherine Hepburn no filme? — perguntou.

— Que pergunta boba — respondi.

— Porque você acha que ninguém nunca vai me amar tanto assim, por isso? — perguntou com a voz triste. Lua estava esticada no sofá, com as pernas em meu colo. Quando olhei para seu rosto, observei que a expressão sonhadora fora substituída por um ar de tristeza.

— Não, Lua. Porque tenho certeza de que tem um monte de caras que podem e vão amar você tanto quanto Jimmy amou Kate.

Ela sorriu.

— Você acha? De verdade?

— Lua, você é a garota mais maravilhosa do colégio. E do mundo. Qualquer cara que não se apaixone por você só pode ser doido.

Ela sentou e me abraçou. Retribuí o abraço, aliviado por ver que ela sorria novamente.

— Estou tão contente por você ser meu melhor amigo — falou com a voz abafada por minha camiseta.

— Nem metade do que eu estou — respondi.

Dei um aperto em seu ombro e a abracei mais forte ainda.

— Eu te amo — ela falou, com o rosto contra meu peito.

— Também te amo. Sempre.

Lua e eu usávamos a palavra "amor" com freqüência. Nós sabíamos que era no sentido de "como amigos”, e nunca nos incomodamos em dizer isso. Mas naquela noite as palavras pareceram mais verdadeiras do que nunca. Pensei que fosse porque nós dois passáramos por maus bocados e descobrimos que, mais do que nunca, acreditávamos em nossa amizade.

Lua inclinou a cabeça e me deu um beijo amistoso na bochecha. Retribuí o beijo. Depois ela me beijou do outro lado do rosto E eu retribuí. Ficamos nessa beijação de face a face até contar uns vinte beijos.

Num dado momento, quando ia beijar sua bochecha, meus lábios, assim meio sem-querer-querendo, tocaram os lábios dela.

Em vez de recuar, dei-lhe um beijo na boca. Ela retribuiu. De repente, nós nos beijamos de verdade e queríamos mais e mais.

Lua retribuía com seus lábios aconchegantes. Meus dedos passeavam por seus cabelos, e ela se agarrava a minha camiseta. Perdi até a noção do tempo, parado no ar e sentindo a eletricidade fluir por todo o meu corpo. Senti como se fôssemos as duas metades de um todo.

Com um salto, ela se afastou. Ficou em pé para em seguida desabar em uma cadeira perto da lareira. Sem aviso, desatou a chorar. Ela cobria o rosto com as mãos, chorando em silêncio.

Fui tomado por uma sensação de desamparo e me levantei. Tentei consolá-la com palavras amenas e dando tapinhas nas suas costas.

Instantes depois, ela tentou falar.

— Com Chay... beijar... nunca... eu não...

Só podia entender uma em cada dez palavras, mas nem precisava ser um gênio para sacar que ela estava muito aborrecida com o Chay. Estava claro que, ao me beijar, ela se lembrara de que o cara a quem realmente amava tinha lhe dado o fora.

— Lua, não esquenta. Tudo vai dar certo —falei, não muito certo sobre até que ponto aquilo seria verdade.

— Vai? — perguntou olhando para mim por entre as lágrimas.

Concordei prontamente.

— Olha. Nós dois estamos muito chateados com o fim de nossos namoros. Não é difícil entender que nos voltamos um para o outro. Prometo que nada entre nós vai mudar.

— Você está certo — concordou ela, limpando as lágrimas na manga da blusa. — Só estava chateada por causa de Chay, é isso.

Lua pareceu ganhar novamente a compostura. Eu estava contente, embora tenha notado que o tempo todo ela pensava no Cara-de-Panaca. Em meu caso, achava que os nossos beijos foram muito explosivos. De novo representei o papel de melhor amigo, de uma forma digna de um ator premiado com o Oscar da academia.

— Somos amigos, como sempre fomos — declarei com firmeza. Lua deu um sorriso largo e esticou o braço, oferecendo a mão para um cumprimento.

— Amigos — repetiu.

Apertamos as mãos como em um acordo de negócios.

— Essa é a palavra mais bonita da língua portuguesa — disse eu, imitando voz de professor.

Lua pareceu deprimida.

— Sim — respondeu. — Apenas fiquei triste com o caso do Chay.

De repente senti vontade de cair fora para não ouvi-la se lamentando sobre Chay. Queria ir para casa, onde poderia pensar melhor.

— Bom, acho que nós dois perdemos a aposta — observei para amenizar o clima.

— É isso aí.

A voz de Lua era uma combinação de distração com tristeza, mas a expressão do seu rosto era neutra.

Para falar a verdade, não sabia bem o que fazer diante da situação toda.

Voltando para casa, não conseguia tirar da cabeça as lamentações e choramingos de Lua a respeito do Chay. Não entendia o que ela pudesse ter visto no cara, além da figura do macho.

Contudo, depois de me trocar e deitar na cama, uma idéia se formou em minha mente: eu estava irritado porque Lua ficava sempre elogiando Chay Cara-de-Panaca. Francamente, era o fim do mundo.

Olhando fixamente para o teto, pensava em todas as garotas que já tinha beijado. Todas as garotas do colégio que valessem a pena tinham saído comigo e Pérola fora a única que tinha tomado a iniciativa de romper o namoro. Mas mesmo com Pérola sabia que ela tinha rompido por uma questão de orgulho. Ficara magoada por eu ter defendido a Lua e então se mandara. Embora não tivesse contado nada a Lua, sabia que Pérola me aceitaria de volta se eu pedisse. A semana inteira ela ficara de olho em mim, jogando charme, na sala do sr. Maughn.

Mas não queria reatar com Pérola. Apenas queria que Lua percebesse que muitas garotas desejariam estar em seu lugar naquela noite. E nenhuma delas despencaria a chorar depois que eu as beijasse. Muito pelo contrário.

Sentei e ajeitei meu travesseiro. Precisava parar de filosofar e cair na real. O fato de ter beijado Lua e de que agora estava obcecado pela obsessão dela por Chay era uma indicação de que tinha tempo sobrando. Assim que convidasse outra garota qualquer para sair (claro que não para me apaixonar), tudo em minha vida voltaria ao normal.

Num relance, lembrei que Lua tinha sugerido que eu saísse com a Mel. Até o momento nunca havia tido nenhuma intenção de sair com Mel Fronckowiak. Mas se a Lua estava tão segura de que era uma boa idéia, então talvez valesse a tentativa. Pelo menos, estaria provando a ela que, enquanto ela ficava se lamentando por ter rompido com aquele panaca que chamava de namorado, a minha vida seguia em frente. E certamente ela não precisaria se preocupar de que eu fosse beijá-la de novo. Eu tinha aprendido bem a lição.

Fechei os olhos, sentindo que já estava sonolento. A primeira coisa que faria pela manhã seria telefonar para a Mel. Ia sair com a melhor amiga de Lua e me divertir — mesmo que isso me matasse de tédio.

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