Capítulo Onze
Domingo, dia 19 de novembro.
Bem no meio de uma tarde chata...
O tempo está um pouco frio agora. Mas meu humor não está muito melhor. Desde a leitura de Chay, de seu poema ridículo, na aula de redação, Mel e eu temos analisado qual o real significado disso muitas vezes. Agora, com a ameaça de Sophia pairando sobre minha cabeça, tenho sido cada vez mais possessiva em relação ao Chay. E não estou gostando disso.
Ele não mencionou o nome dela e claro que não perguntei nada sobre o poema. Seria muita humilhação. Devo confessar que é por causa desse tipo de situação que sempre evitei me apaixonar. Mas tudo vai dar certo. Espero.
Na quarta-feira antes do dia de Ação de Graças a turma do segundo grau do Elite Way foi liberada a partir do meio-dia, e não teríamos aula até segunda-feira. Depois das aulas encontrei o Chay perto de seu armário, conversando com um amigo que fazia parte da banda. Quando me aproximei eles interromperam o papo e olharam para mim.
- Tudo certo para amanhã a noite? - Perguntei passando o braço pela cintura dele.
- Não perderia por nada. - Respondeu Chay, me beijando na cabeça. Ele estava lindo de calça jeans preta e camisa xadrez bem colorida.
- Vejo você às oito horas.
Caminhei pelo saguão, sentindo-me contente como não sentia desde a leitura daquele poema idiota.
Se Chay quisesse ficar com Sophia, não combinaria de vir para minha casa no feriado de Ação de Graças. Como Mel dissera eu devia estar paranóica.
Era quinta-feira à tardinha e minha mãe e eu estávamos arrumando a mesa para a tradicional ceia de peru.
– Então o Arthur não virá hoje à noite? – perguntou minha mãe, enquanto me passava uma pilha dos nossos melhores pratos.
Balancei a cabeça. Arthur costumava vir para nossa casa nos principais feriados, mas nesse ano nós convenientemente deixamos de lado essa tradição. Desde a discussão durante o filme na semana anterior, nossa amizade não vinha mais sendo a mesma.
- Ele e o Chay não são muito chegados. – respondi, colocando os pratos na mesa, e deixando um espaço bem grande para o candelabro de prata que minha mãe sempre colocava em ocasiões especiais.
– Ah, que pena! - lamentou minha mãe. - A vovó queria tanto conversar com ele. Diz que ele sempre a faz rir e esquecer a dor da artrite.
Eu fiz que não me importava.
- Bem, ela ficará feliz em conhecer Chay, quero dizer, ele, que é o meu namorado.
– Ei, não precisa se arrepiar toda, chuchuzinho. Certamente a vovó e o vovô estão esperando conhecer Chay. Eu estava apenas lembrando que eles também gostam do Arthur.
- Talvez no Natal, mãe.
O telefone tocou, e minha intuição feminina fez com que sentisse um frio na barriga, enquanto ia atender.
- Alô?
- Oi, Lua. – respondeu Chay.
Sua voz era sexy como sempre.
- Oi, Chay.
Respirei fundo. Podia ser que ele estivesse ligando só para saber o que trazer para o jantar.
- Escute, não vai dar para ir a sua casa hoje à noite.
Tentei esconder o desapontamento.
- Ahh, que pena. Os seus pais insistiram para você ficar com eles?
Olhei para mamãe, que tentava disfarçar que não estava interessada em minha conversa.
- Ah, é sim. Você sabe como são essas coisas. Meus avós vieram para casa hoje. E tudo o mais.
- É sim, os meus estarão aqui também.
Estiquei o fio do telefone tanto quanto era possível para que minha mãe não escutasse nossa conversa.
- Eu ligo no fim de semana.
- Está certo.
Desliguei o telefone e me preparei para ouvir os comentários da mamãe. Tinha certeza de que no mínimo, ela diria que Arthur nunca teria cancelado um compromisso em cima da hora daquela maneira.
Ela, contudo, não disse nada e só apareceu na porta da cozinha.
–O jantar está pronto. – chamou. - Vamos nos sentar.
Sentando-me em meu lugar, peguei uma porção de peru fatiado no prato ao lado do de papai. Estava me sentindo tão mal quanto aquele peru. De repente perdi o apetite.
Quando a campainha tocou, pulei do meu lugar na mesa e corri para atender a porta. Esperava encontrar Chay, possivelmente com um buquê de flores nas mãos. Mas era Arthur. Ele segurava um bolo de chocolate e tinha um pouco de neve em seu casaco.
- Entrega especial para a família Blanco. - Falou já entrando.
Um impulso me fez dar um grande abraço nele. Tinha me esquecido de que sempre pudera contar com o Arthur para melhorar meu humor, mesmo quando estivesse firmemente decidida a ficar deprimida.
- Você não deveria levar o bolo de chocolate de sua mãe para a Pérola? – perguntei.
Ele abriu o fecho do casaco e o tirou.
- Eles foram viajar, visitar amigos. Além disso, você não acreditou que eu ia deixar de lado essa tradição, acreditou?
Ele deu um puxãozinho em meu rabo-de-cavalo e caminhou para a sala de jantar.
- Arthur Aguiar. - Ouvi minha vó exclamando. - Está nevando?
Arthur foi até vovó e a beijou no rosto.
- Começou nesse instante, vovó. A mãe natureza soube que vocês estariam na cidade hoje.
Como já disse antes, ele tem uma grande habilidade para agradar às pessoas. E não importava se suas piadas eram ruins, minha avó sempre ria tanto que parecia que ele era o melhor dos comediantes.
- Crianças! – exclamou vovó - Fico feliz de vê-lo aqui. Lua tem se arrastado de um lado para o outro da casa como se fosse um traste.
Arthur me olhou, e fiz de conta de que não era comigo.
- Não fique aí parado com esta sobremesa nas mãos. – disse meu pai - Vamos, pegue um prato para você também.
Enquanto Arthur ia até a cozinha, eu me sentei à mesa. De repente o bolo de chocolate parecia o remédio para a minha tristeza.
- Vamos andar na neve. - Sugeriu Arthur, uma hora mais tarde.
Estávamos sentados perto da lareira depois de comer bolo de chocolate. Meus avós tinham adormecido em suas poltronas, e meu pai aparentemente lhes seguira o exemplo.
Lá fora nevava forte, e nosso jardim já estava coberto com uma grossa camada branca brilhante.
- Vocês podem achar divertido agora. – mamãe disse - Mas amanhã vai ser uma luta.
- Preciso de exercício depois de comer esse bolo. - Disse eu, tirando a manta na qual me enrolara.
Arthur me seguiu até a entrada e peguei nossos casacos. Enquanto eu vestia o meu, ele ficou xeretando em nosso armário da entrada, onde guardávamos chapéus, luvas, guarda-chuva e outras coisas do tipo. Achou um chapéu antigo, listrado de roxo e verde, com uma bola colorida em cima, e me colocou na cabeça.
- Ei, eu não vou usar isso. Não quero atrapalhar o trânsito. – disse eu.
Arthur mexeu as sobrancelhas.
- Se você usar, eu ponho este. – disse. Tirou a mão das costas e mostrou um chapéu laranja brilhante, que meu pai tinha trazido de uma viagem de caça. O chapéu tinha proteção para as orelhas e trazia escrito na frente: “faça-me um carinho, não atire”.
Dei risada, colocando um velho cachecol no pescoço.
- Bem, esta é uma oferta que não posso recusar. Vamos assustar a vizinhança.
Arthur fechou a porta atrás de nós e saímos pelo jardim chutando neve. Na rua, viramos à esquerda. A duas quadras de casa havia uma rua quase deserta, e eu sabia que estávamos indo para lá.
Por algum tempo andamos em silêncio. Nevava bastante forte, mas como não ventava eu me sentia aquecida e confortável em meu casaco. A toda hora colocava neve na boca para sentir o gostinho gelado. Arthur andava em ziguezague para deixar o maior número de pegadas possível.
- A gente podia chamar o Micael. – Disse eu, para quebrar o silêncio.
Ele deu de ombros.
- Ele não vai querer vir. Acho que anda estudando secretamente as fotos de Rachel Hall em antigos livros da escola.
- Por que ele simplesmente não a convida para sair? – perguntei, chutando uma pedra no caminho.
- Ele disse que ela não quer se amarrar, mas eu acho que ele tem medo da rejeição. Não me lembro de ele ter se preocupado tanto antes com o fato de receber um sim ou um não de uma garota.
Concordei.
- Podemos relacionar isso com sentimento. – comentei.
- Você preferia estar com o Chay? - Arthur perguntou andando em volta de mim.
Demorei para responder. Na última hora e meia tinha me esquecido completamente de meu desapontamento com o fato de Chay ter cancelado nosso encontro. Estar com o Arthur parecia ser a maneira perfeita de aproveitar a neve e o clima festivo no ar.
- Não, estou contente aqui com você. – finalmente respondi - Por quê? Você queria estar com a Pérola?
Arthur encheu a mão de neve e fez uma bola.
- Não. Não é muito divertido jogar bolas de neve na Pérola.
Ele atirou uma bola de neve em mim e riu alto na noite escura. A bola me acertou em cheio no rosto e gritei. Na mesma hora me ajoelhei e, usando as mãos, juntei tanta neve quanto consegui. Corri para cima dele, que ainda ria, e joguei tudo em suas costas.
Ele reclamou, tentando desesperadamente sacudir a neve do casaco.
- Isso foi uma declaração de guerra. - gritou.
Chegamos a rua deserta perto de casa, e por todo lado ainda havia neve intacta. Por quinze minutos ficamos parecendo uns malucos, jogando bolas de neve e derrubando um ao outro no chão. Dei tanta risada que minhas costelas doíam.
Finalmente nos deitamos no chão. Eu estava tão cansada que fiquei ali estendida de costas, olhando para o céu e retomando o fôlego. Quando me toquei que meu traseiro estava molhado e quase congelado, virei-me para o Arthur.
- Essa foi legal, mas acho que já era hora de a gente se esquentar com um chocolate quente. – falei.
- Antes vamos construir anjos de neve. – ele sugeriu - Não tenho feito isso há anos.
Ele deitou-se antes de minha resposta e começou a mexer os braços e pernas.
- Não tem tanta neve assim, para fazer anjos bonitos. – argumentei - Precisa de pelo menos um palmo de neve.
- E daí? O que vale é a intenção.
Não podia discutir com sua lógica, então procurei fazer o melhor anjo que pude e depois me levantei para ver o resultado.
- É, não está mal.
- Nada mal mesmo. – Arthur concordou - Agora será que ouvi alguém falando em chocolate quente, e a palavra-chave é "quente"?
Minutos depois estávamos na cozinha de minha casa, quase sem fôlego. Tiramos nossas botas, meias e blusas, tentando ver se alguma coisa ainda estava seca. O cabelo de Arthur estava ensopado mais ainda penteado, e seus lábios tinham um toque azulado.
Todo mundo tinha ido dormir, e então fui na ponta dos pés até a lavanderia e peguei uma calça e uma camiseta de malha de meu pai para o Arthur. A seguir fui até meu quarto e troquei minha roupa por um pijama de flanela. Quando nos sentamos perto da lareira, com nossos chocolates quentes, estávamos secos e aquecidos.
Sem mais, Arthur deu um longo suspiro.
- O que foi? – perguntei.
- Sei lá. Estava pensando que está é uma noite perfeita para um romance.
Olhei para o fogo, pensando se Chay estaria com Sophia em algum lugar, tomando chocolate quente e dizendo a ela o quanto sentiu sua falta. Senti um nó na garganta e engoli em seco.
- Sim, eu sei o que você quer dizer. – murmurei.
Quando Arthur se voltou para mim, seus olhos pareciam totalmente brilhantes. Ele se aproximou no sofá e enrolou alguns fios do meu cabelo em seu dedo indicador. Meu coração disparou e senti a mesma emoção confusa daquela noite no Baile de Boas-Vindas.
- Sabe aquela música? – ele perguntou.
Balancei a cabeça sem tirar os olhos dele.
- Que música?
- Se não pode estar com quem ama...
- Ame quem está com você. – finalizei.
Meu olhar se fixou em seus lábios e me senti hipnotizada por sua proximidade.
Arthur colocou a mão em minha nuca e me puxou para mais perto. Fechei os olhos, desejando que seus lábios tocassem os meus.
Assim que senti seu beijo, um fogo líquido se espalhou em mim. Sem pensar, agarrei sua camiseta como se não quisesse que ele se afastasse mais. Nossas bocas se encontraram com perfeição, como se fossem feitas uma para a outra. Os fogos de artificio que esperava com o Chay finalmente aconteceram. Cada parte do meu corpo estava viva e em chamas, como se estivesse no meio de uma experiência nuclear. O mundo lá fora evaporou-se e Arthur era a única coisa que ainda existia no planeta.
Um pouco depois ele se afastou.
Assim que o beijo terminou, senti uma onda de vergonha. Era possível que eu tivesse feito aquilo? Era possível ter beijado Arthur, meu melhor amigo no mundo? Um milhão de questões invadiu minha mente, e fiquei sem fala.
- Uau, não sei se isso foi uma idéia muito boa. - Disse ele, passando a mão pelo meu cabelo.
Minha sensação de atordoamento transformou-se em raiva.
- Por que você fez isso? – perguntei.
- O que você quer dizer com eu fiz? – perguntou ele - Você participou também.
Fechei a mão, mostrando o punho.
- Foi sua idéia. Não negue.
Procurava manter a voz baixa, mas me sentia como se estivesse gritando.
Arthur me fulminou com o olhar.
- Bem, claro que não foi uma boa idéia. - falou, dando um murro no sofá.
- Você não pode suportar o fato de existir uma garota nesta cidade que não queira sair com você. – desabafei.
- Não se lisonjeie, Lua. Isso nunca mais vai acontecer.
- Está certo. - Falei cruzando os braços.
- Está certo. - Ele respondeu ficando em pé. - Diga obrigado a seu pai pelas roupas. Devolverei o mais depressa possível.
- Não se apresse. - Respondi, caminhando para a entrada.
- Não se preocupe.
Ele pegou suas roupas ainda molhadas.
- Por mim, está bem. - Abri a porta e fiquei olhando para ele. Minhas mãos estavam tremendo, e me senti muito perto de chorar.
- Dê um oi meu para seus pais.
Então ele se foi pela noite nevada, e eu bati a porta atrás dele. Aquela altura não estava mais me importando se acordava a casa toda. Esse dia tinha sido um dos piores de minha vida, e a única coisa que eu queria era me lamentar até conseguir dormir.
Enquanto ouvia Arthur dar a partida no carro e dirigir para a avenida, as lágrimas que estava segurando brotaram em meus olhos. Fui para meu quarto cambaleando e me desmanchando em soluços que pareciam não ter mais fim.
Uma vez mais tinha feito uma grande, uma imensa bagunça com minha vida.
- Por que eu? - Murmurei na escuridão do quarto. - Por que eu?
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