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sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Nova Parceria

Coração Rebelde

Donas: Nathy e Andressa


http://www.rebeldenaide.blogspot.com/

Capitulo Quinze


Passei a maior parte da manhã de domingo zanzando pela casa. Meus pais tinham ido a uma exposição de arte e a casa estava quieta demais. Mais tarde deveria tomar conta de Nina, mas até lá não tinha nada para fazer. Percebi então como é triste para uma adolescente quando tudo o que ela tem pela frente é passar a tarde com uma garotinha de dez anos.


Por volta do meio-dia sentei ao computador para fazer uma redação que tinha de lição de casa. Mas meus dedos apenas passeavam pelo teclado, eu não encontrava nada a dizer. Pensamentos sobre a noite anterior rolavam pela minha mente, mas não conseguia organizá-los. Eu me sentia como se estivesse suspensa no ar, aguardando que alguma coisa acontecesse — só não fazia a menor idéia do que pudesse ser.

Quando a campainha tocou, voei escada abaixo. Naquela hora ficaria feliz em sentar e bater papo até mesmo com um vendedor ambulante qualquer. Qualquer coisa que me mantivesse ocupada.

Imediatamente meu humor melhorou quando vi o carro da Mel estacionado na frente de casa. Decidi contar a ela o que tinha acontecido entre Arthur e eu na noite anterior.

— Tenho uma novidade para contar que vai deixar você de boca aberta — disse ela assim que abri a porta.

— Fomos invadidos por extraterrestres? - sugeri enquanto pegava o casaco azul-marinho de sua mão.

— Os ETs não são nada em comparação com o que me aconteceu esta manhã — ela disse com os olhos brilhando.

Fomos até a cozinha, onde peguei dois refrigerantes para nós.

— Não faça tanto suspense! Diga logo!

Ela abriu a latinha de refrigerante.

— Estava lendo o jornal esta manhã, cuidando das minhas coisas. Quero dizer, não esperava que nada acontecesse durante todo o dia. Nada de nada.

—Quer fazer o favor de ir logo ao que interessa! — interrompi. — Não agüento tanto suspense.

— Arthur me ligou e convidou para sair com ele esta noite.

Tossi, engasgando com o refrigerante.

— Está brincando?

Ela balançou a cabeça.

— Não estou. Vamos sair para um jantar.

— Uau. — Senti como se tivesse acabado de levar um soco.

Mel me olhou nos olhos.

— Você não se importa, certo? Quero dizer, achei que tinha sido você que tinha dado um toque para ele.

Esforcei-me para sorrir

— Claro que não me importo. Só fiquei surpresa por ele não ter me dito nada, só isso.

— Você parece que ficou meio verde — ela falou, observando do meu rosto.

— Ei, sempre achei que vocês formariam um par maravilhoso. Fiquei muito alegre em saber. Até perdi a fala.

Mel sorriu de novo.

— Tudo bem. Vou acreditar em você. Então, tem alguma coisa que você possa me emprestar para vestir?

— Vamos encontrar a coisa certa. Quando Arthur vir você, Pérola Faria vai ser apenas uma lembrança distante.

Apesar de minhas palavras, eu me sentia vazia. Verdade que tinha sido minha a idéia de dizer a Arthur para sair com a Mel. Porém acreditava que ele nunca faria isso.

Uma coisa era certa. Não poderia contar a ela que tinha beijado o Arthur. Podia até imaginar os dois rindo sobre isso no jantar. "Coitada da Lua", pensaria Arthur, "ela nunca vai arranjar um namorado".

Estremeci. Não podia deixar, nem por um instante, que Arthur e Mel percebessem como eu ficaria chateada por eles estarem saindo juntos.

— Vamos lá para cima — convidei, ficando em pé. — Não temos nem um minuto a perder.

— Obrigada, Lua. Sabia que poderia contar com você para um apoio moral.

Ela me abraçou e quando olhei para seu rosto vi que estava radiante.

Em meu quarto, comecei a procurar pelo armário. Peguei um vestido rodado verde e passei para a Mel.

— Experimente este — sugeri.

— Quando me olhar, lembre-se de que esta noite vou estar usando o sutiã milagroso — disse Mel alegremente. — Imagine dois dedos a mais aqui em cima.

Atirei-me na cama e fiquei a observá-la enquanto se despia.

— Esse tal sutiã é o seu seguro — comentei.

Ela deu uma risada.

— Como ficou?

— Muito legal. — Ela já tinha colocado o vestido, que definitivamente parecia bem melhor nela do que em mim. — Na verdade, melhor você ficar com ele de uma vez. O corte cai muito melhor em você.

Mel se revirava na frente do espelho.

— Você acha que o Arthur vai gostar dele?

— Claro que vai.

Mel foi até meu espelho de corpo inteiro e examinou seu rosto:

— Acho que tem uma espinha aparecendo no meu queixo.

— Não, não tem nada — disse eu, procurando parecer feliz e encorajadora.

Mel sentou-se na minha cadeira.

— Estou ficando nervosa — confessou.

— Não tem motivo. Você é um milhão de vezes mais legal que qualquer garota com quem Arthur já tenha saído.

De repente Mel endireitou-se na cadeira.

— Ei, você conhece o Arthur melhor do que ninguém. Me dê umas dicas do que devo fazer para que ele goste de mim.

Fechei os olhos por um momento, pensando. Como resumir tudo o que sabia de Arthur em poucas frases? Mentalmente repassei todos os pequenos detalhes que poderia dizer a ela sobre meu melhor amigo. Respirei fundo.

— Ele odeia picles no hambúrguer. Não diga a ele que você se acha gorda. Ele não importa que você cante dentro do carro, mesmo que sua voz pareça uma vaca mugindo. Ele gosta de representações. Se você não conseguir adivinhar qual personagem ele esta tentando imitar, diga que é o Elvis Presley. Quando um pequeno músculo perto dos olhos dele começa a pular ele está tentando não demonstrar que está zangado...

Agora que tinha começado não podia parar. Senti como se tivessem aberto as comportas de uma barragem. Mel estava sentada em silêncio, me observando. Ela parecia estar prestando atenção, e então continuei.

— Sua cor favorita é o verde. Ele é fã de música de discoteca. À noite ouve rádio. Odeia garotas superficiais, embora você nunca viesse a saber disso a julgar por sua última namorada. Ele prefere morrer a trabalhar em um escritório. Ele é engraçado quando...

— Lua! Você está passando bem? — Mel perguntou de repente.

Ela fazia um gesto com a mão para que eu interrompesse a enxurrada de frases que desembestara a falar. Eu tinha quase me esquecido de que minha amiga estava ali.

— O quê? Oh, desculpe. Acho que falei mais sobre o Arthur do que você queria saber.

Mel estava ocupada tirando as cutículas. Vi que mordeu o lábio e depois deu uma olhada para mim.

— Você está apaixonada por ele, não está?

Falara delicadamente mas cada palavra martelou em minha cabeça.

— O quê? — gaguejei.

Para ocupar as mãos, peguei um travesseiro e o abracei. Mel ergueu a sobrancelha:

— Você me ouviu. Acho que você está apaixonada por Arthur Aguiar.

— Esta é a coisa mais idiota que já ouvi — retruquei, desviando meu olhar. — Não seja ridícula.

— Lua, o modo como você falava sobre ele, é como se...

— Eu não estou apaixonada pelo Arthur. E fim de papo. Sabia que minha voz soava alterada, mas não consegui me controlar.

— Se você tem certeza...

— Claro que tenho certeza. Agora pegue o vestido e vá se arrumar. Preciso sair.

Algum tempo depois fechei a porta da frente com cuidado, atrás de Mel. Fiquei na entrada, sem me mexer, prestando atenção no silêncio da casa vazia. "Eu não estou apaixonada pelo Arthur", disse a mim mesma. Quando as palavras ecoaram em minha cabeça quase acreditei que era verdade.

Sábado à noite Nina estava muito agitada e quase precisei arrastá-la pela escada acima na hora de dormir. Ela tinha estado na casa de Marcy Stein, numa festa de meninos e meninas, na noite anterior, e queria me contar cada um dos detalhes de tudo o que tinha acontecido no grande evento.

— Então Peter Ross colocou um cubo de gelo nas minhas costas — disse ela, enquanto relutava em vestir um pijama de flores amarelas.

— E o que você fez? — Peguei a escova e fiz sinal para que ela se sentasse na beirada da cama.

— Primeiro eu gritei. Depois dei o troco. Todo mundo riu tanto que pensei que a gente ia fazer xixi na calça.

Ela ria só de lembrar.

— Vê se fica quieta. Tem um nó no seu cabelo. — Enquanto a penteava, esperava pela continuação da história.

— Ainda não contei a melhor parte — ela falou.

— E tem mais?

Apesar do mau humor, não pude deixar de rir. O entusiasmo de Nina pela vida era contagioso.

Ela fez que sim com a cabeça.

— Só vou contar para você se prometer não dizer nada a mamãe e papai — falou com expressão séria.

— Juro que não conto.

Ela se virou para mim, e não pude deixar de perceber que estava quase estourando de vontade de contar seu segredo.

— Nós brincamos de girar a garrafa.

— Não!!

Tentei parecer escandalizada o melhor que pude. Tinha certeza de que Nina esperava por uma reação dramática.

— Sim! Os meninos eram uns tipos tão nojentos que pensei que eu ia vomitar.

— Quem você teve de beijar? — perguntei.

Ajudei-a a levantar-se da cama para poder arrumar as cobertas.

— Peter Ross! Eca!

Nina fez cara feia e colocou a língua para fora. Dei uma risada:

— Estou certa de que você sobreviverá. E pode ser que até venha a querer beijá-lo algum dia.

Ela sacudiu a cabeça, protestando com uma careta.

— Nem em um milhão de anos!

— Se você é quem diz — comentei ligeiramente, dando-lhe um beijo de boa-noite.

Estiquei o braço e apaguei a luz de cabeceira. Quando estava saindo do quarto, porém, Nina sentou-se na cama e acendeu a luz.

— Ei, Lua.

— O que foi? — perguntei colocando as mãos na cintura.

— Você acha que vou me casar com Peter Ross, agora que nos beijamos?

— Sim, e vocês vão viver felizes para sempre.

Apaguei a luz esperando que ela não reparasse no tom amargo de minha voz.

Saí do quarto, certa de que em poucos minutos ela estaria dormindo e sonhando com Peter "Eca" Ross. Estava contente por não ter tido coragem de lhe dizer que, depois da quinta série, os romances começavam a ir por água abaixo. Ela iria descobrir isso logo.

Uma vez tendo descido as escadas, não havia muita coisa com que me distrair. Finalmente peguei um saco de salgadinhos e liguei a televisão na MTV. Enquanto comia os salgadinhos, desejava que Arthur e Mel estivessem se divertindo. Eu esperava de verdade, de verdade mesmo, que eles estivessem tendo os melhores momentos de suas vidas.

Depois de uma hora de vídeos e músicas, estava chateada, irritada e morrendo de curiosidade. Não podia esperar mais para saber como tinha sido o encontro de Mel. Olhei para o relógio e pensei que ela já deveria ter voltado para casa. Quanto tempo teria durado o jantar?

O telefone de Mel tocou três vezes antes que a mãe dela atendesse. Sabia que a sra. Fronckowiak dormia cedo, e a voz dela me pareceu meio grogue e ligeiramente aborrecida. Se Mel estivesse em casa, ela seguramente não se daria ao incomodo de atender. Coloquei o aparelho no gancho.

Mel não tinha voltado para casa, o que significava que ela e Arthur estavam ainda juntos. O encontro havia sido um sucesso então. Em seguida haveria novos encontros. E mais. Logo eles estariam de mãos dadas em lugares públicos. E eu, no máximo, estaria segurando vela. Sozinha e indesejada.

Nunca tinha conseguido saber do Arthur qual era a dele em relação a Mel. Nossa amizade não englobava esse tipo de pressão. Mas não seria eu quem ficaria no caminho da felicidade dele, ou da Mel.

— Vou deixar o caminho livre — falei para a TV. — Será a melhor solução para todos nós.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Capítulo Quatorze


Quinta-feira, 30 de novembro

23h30

Hoje vi Pérola flertando com Patrick Mayor no saguão. E sabe de uma coisa? Não senti nada. Bom, quem sabe tenha sentido peninha de Patrick (rá, brincadeirinha!). Na verdade, eu me senti um pouco magoado. Será que signifiquei alguma coisa para ela? E, mais uma vez, será que ela significou algo para mim? Talvez Lua estivesse certa o tempo todo. É provável que eu não saiba mesmo o que é um amor verdadeiro. Mas quem sabe?

Na sexta-feira à noite Lua e eu estávamos curtindo nossa fossa atacando um banana split no Swenson's. Micael estava com a gente, mas quase não conversava. Ele só ficava olhando para o sorvete como se o futuro estivesse escrito na calda de caramelo. Nós três formávamos um grupo bem melancólico.

— Você sabe qual é o seu problema, Lua Blanco? — perguntei.

— Sei. E você ficar sempre me perguntando se eu sei qual é o meu problema — ela respondeu automaticamente.

Já tivéramos muitas e muitas conversas que começavam exatamente daquela forma.

— Errou de novo. Seu problema é que você se apaixona muito facilmente.

— Ahh, não acredito que ouvi isso do cara que me desafiou a me apaixonar. Que hipócrita!

— Mas agora estou mais velho e mais sábio — respondi. — E decidi que o amor está absolutamente fora dos limites.

Ela batucou a colher na taça de sorvete, pensativa.

— Acho que tenho uma sugestão que vai fazer você reconsiderar a sua fuga do amor.

— Duvido, mas experimente.

— Você pode convidar Mel para sair — respondeu ela, e se recostou na cadeira, com uma expressão satisfeita.

— Mel Fronckowiak? — perguntei, surpreso.

Sabia que Mel arrastava uma asinha para o meu lado, mas nunca tinha pensado em sair com ela. Quero dizer, depois de mim, ela era a melhor amiga de Lua. A idéia de sair com ela me parecia muito esquisita.

— Claro que Mel Fronckowiak. Ela é bonita, inteligente e dez vezes mais legal do que qualquer outra garota com quem você tenha saído.

— Não, obrigado. Acho que vou ficar na minha.

Naquele momento Micael desviou o olhar de sua taça de sorvete.

— Concordo com a Lua. O que você tem a perder?

Eu o encarei:

— Ei! Você não é o cara que ainda está sem namorada desde o começo do semestre?

— Mas é diferente — respondeu ele.

— Por quê?

Fiquei na expectativa do que ele ia dizer e percebi que Lua também estava curiosa. Ultimamente Micael tem feito muito segredo sobre o que se passa em sua cabeça.

Ele lambeu a colher e limpou a boca com um guardanapo.

— Porque eu vou pedir Rachel Hall, em breve. Muito breve.

Revirei os olhos.

— Ah, sei. Do mesmo jeito que você ia falar com ela uma dúzia de vezes nos últimos dois meses.

Micael corou um pouco.

— Eu teria falado com ela, mas estava em um processo de eliminação. Agora, depois de estudar quarenta e duas garotas do colégio, concluí que Rachel é a única que merece. Sem ofensa, Lua.

Lua fez que não se importava. Já estava acostumada aos comentários detestáveis sobre as mulheres da parte dele.

— Você é um mentiroso — declarei. — Não falou com ela ainda porque morre de medo de levar um fora.

Micael colocou dinheiro sobre a mesa.

— Pense o que quiser, Arthur. Mas aceite o conselho de Lua e saia com a Mel. Ficar em casa no sábado à noite não é uma boa.

Ele se levantou.

— Vejo vocês mais tarde, pessoal.

Depois que Micael saiu, Lua colocou sua colher na mesa.

— Não diga que não tentei. Se você morrer velho, grisalho e sozinho, não diga que Lua não tentou ajudar.

— Vou pensar nisso — concordei. — Mas por ora todas as minhas energias estão concentradas em esquecer que Pérola Faria existe. E é um trabalho de tempo integral.

— Então temos o mesmo patrão. Muito trabalho, pouco salário — Lua comentou. — Termina isso.

Ela empurrou para mim a taça de sorvete quase vazia. Dei umas colheradas e raspei a calda de caramelo no fundo da taça, saboreando o gostinho doce.

— Que tal a gente dar uma olhada no que vai passar na "Sessão Coruja"? — perguntei antes mesmo de engolir a calda.

— Legal — ela concordou.

— É a semana Cary Grant no canal quatro.

Ela se levantou e pegou o casaco e o chapéu do cabide. Enquanto a ajudava com o casaco, captei nossa imagem no velho espelho pendurado na parede perto dos cabides.

Estávamos sorrindo, e percebi que nos parecíamos com qualquer outro casal na sorveteria. Se não conhecesse a situação, pensaria que éramos o casal mais vibrante do colégio, jovens e apaixonados.

Duas horas e meia mais tarde, Lua desligou a televisão, no estúdio de sua casa, suspirando. Acabáramos de assistir “Philadelphia Story” e ela tinha uma expressão sonhadora nos olhos, que eu já tinha visto muitas vezes antes. Apesar de sua aparência meio durona, Lua sempre foi do tipo manteiga derretida em relação a romances.

— Você acha que algum cara pode me amar tanto quanto James Stewart amou Katherine Hepburn no filme? — perguntou.

— Que pergunta boba — respondi.

— Porque você acha que ninguém nunca vai me amar tanto assim, por isso? — perguntou com a voz triste. Lua estava esticada no sofá, com as pernas em meu colo. Quando olhei para seu rosto, observei que a expressão sonhadora fora substituída por um ar de tristeza.

— Não, Lua. Porque tenho certeza de que tem um monte de caras que podem e vão amar você tanto quanto Jimmy amou Kate.

Ela sorriu.

— Você acha? De verdade?

— Lua, você é a garota mais maravilhosa do colégio. E do mundo. Qualquer cara que não se apaixone por você só pode ser doido.

Ela sentou e me abraçou. Retribuí o abraço, aliviado por ver que ela sorria novamente.

— Estou tão contente por você ser meu melhor amigo — falou com a voz abafada por minha camiseta.

— Nem metade do que eu estou — respondi.

Dei um aperto em seu ombro e a abracei mais forte ainda.

— Eu te amo — ela falou, com o rosto contra meu peito.

— Também te amo. Sempre.

Lua e eu usávamos a palavra "amor" com freqüência. Nós sabíamos que era no sentido de "como amigos”, e nunca nos incomodamos em dizer isso. Mas naquela noite as palavras pareceram mais verdadeiras do que nunca. Pensei que fosse porque nós dois passáramos por maus bocados e descobrimos que, mais do que nunca, acreditávamos em nossa amizade.

Lua inclinou a cabeça e me deu um beijo amistoso na bochecha. Retribuí o beijo. Depois ela me beijou do outro lado do rosto E eu retribuí. Ficamos nessa beijação de face a face até contar uns vinte beijos.

Num dado momento, quando ia beijar sua bochecha, meus lábios, assim meio sem-querer-querendo, tocaram os lábios dela.

Em vez de recuar, dei-lhe um beijo na boca. Ela retribuiu. De repente, nós nos beijamos de verdade e queríamos mais e mais.

Lua retribuía com seus lábios aconchegantes. Meus dedos passeavam por seus cabelos, e ela se agarrava a minha camiseta. Perdi até a noção do tempo, parado no ar e sentindo a eletricidade fluir por todo o meu corpo. Senti como se fôssemos as duas metades de um todo.

Com um salto, ela se afastou. Ficou em pé para em seguida desabar em uma cadeira perto da lareira. Sem aviso, desatou a chorar. Ela cobria o rosto com as mãos, chorando em silêncio.

Fui tomado por uma sensação de desamparo e me levantei. Tentei consolá-la com palavras amenas e dando tapinhas nas suas costas.

Instantes depois, ela tentou falar.

— Com Chay... beijar... nunca... eu não...

Só podia entender uma em cada dez palavras, mas nem precisava ser um gênio para sacar que ela estava muito aborrecida com o Chay. Estava claro que, ao me beijar, ela se lembrara de que o cara a quem realmente amava tinha lhe dado o fora.

— Lua, não esquenta. Tudo vai dar certo —falei, não muito certo sobre até que ponto aquilo seria verdade.

— Vai? — perguntou olhando para mim por entre as lágrimas.

Concordei prontamente.

— Olha. Nós dois estamos muito chateados com o fim de nossos namoros. Não é difícil entender que nos voltamos um para o outro. Prometo que nada entre nós vai mudar.

— Você está certo — concordou ela, limpando as lágrimas na manga da blusa. — Só estava chateada por causa de Chay, é isso.

Lua pareceu ganhar novamente a compostura. Eu estava contente, embora tenha notado que o tempo todo ela pensava no Cara-de-Panaca. Em meu caso, achava que os nossos beijos foram muito explosivos. De novo representei o papel de melhor amigo, de uma forma digna de um ator premiado com o Oscar da academia.

— Somos amigos, como sempre fomos — declarei com firmeza. Lua deu um sorriso largo e esticou o braço, oferecendo a mão para um cumprimento.

— Amigos — repetiu.

Apertamos as mãos como em um acordo de negócios.

— Essa é a palavra mais bonita da língua portuguesa — disse eu, imitando voz de professor.

Lua pareceu deprimida.

— Sim — respondeu. — Apenas fiquei triste com o caso do Chay.

De repente senti vontade de cair fora para não ouvi-la se lamentando sobre Chay. Queria ir para casa, onde poderia pensar melhor.

— Bom, acho que nós dois perdemos a aposta — observei para amenizar o clima.

— É isso aí.

A voz de Lua era uma combinação de distração com tristeza, mas a expressão do seu rosto era neutra.

Para falar a verdade, não sabia bem o que fazer diante da situação toda.

Voltando para casa, não conseguia tirar da cabeça as lamentações e choramingos de Lua a respeito do Chay. Não entendia o que ela pudesse ter visto no cara, além da figura do macho.

Contudo, depois de me trocar e deitar na cama, uma idéia se formou em minha mente: eu estava irritado porque Lua ficava sempre elogiando Chay Cara-de-Panaca. Francamente, era o fim do mundo.

Olhando fixamente para o teto, pensava em todas as garotas que já tinha beijado. Todas as garotas do colégio que valessem a pena tinham saído comigo e Pérola fora a única que tinha tomado a iniciativa de romper o namoro. Mas mesmo com Pérola sabia que ela tinha rompido por uma questão de orgulho. Ficara magoada por eu ter defendido a Lua e então se mandara. Embora não tivesse contado nada a Lua, sabia que Pérola me aceitaria de volta se eu pedisse. A semana inteira ela ficara de olho em mim, jogando charme, na sala do sr. Maughn.

Mas não queria reatar com Pérola. Apenas queria que Lua percebesse que muitas garotas desejariam estar em seu lugar naquela noite. E nenhuma delas despencaria a chorar depois que eu as beijasse. Muito pelo contrário.

Sentei e ajeitei meu travesseiro. Precisava parar de filosofar e cair na real. O fato de ter beijado Lua e de que agora estava obcecado pela obsessão dela por Chay era uma indicação de que tinha tempo sobrando. Assim que convidasse outra garota qualquer para sair (claro que não para me apaixonar), tudo em minha vida voltaria ao normal.

Num relance, lembrei que Lua tinha sugerido que eu saísse com a Mel. Até o momento nunca havia tido nenhuma intenção de sair com Mel Fronckowiak. Mas se a Lua estava tão segura de que era uma boa idéia, então talvez valesse a tentativa. Pelo menos, estaria provando a ela que, enquanto ela ficava se lamentando por ter rompido com aquele panaca que chamava de namorado, a minha vida seguia em frente. E certamente ela não precisaria se preocupar de que eu fosse beijá-la de novo. Eu tinha aprendido bem a lição.

Fechei os olhos, sentindo que já estava sonolento. A primeira coisa que faria pela manhã seria telefonar para a Mel. Ia sair com a melhor amiga de Lua e me divertir — mesmo que isso me matasse de tédio.

Capítulo Treze


Quando Mel e eu fomos para a aula de redação na segunda-feira de manhã, minhas mãos estavam suadas e sentia meu estômago enjoado. Não conversava com o Chay desde a noite do Dia de Ação de Graças e passara a maior parte do domingo tentando convencer a mim mesma de que haveria uma boa razão para que ele não tivesse me telefonado. Um motivo seria porque seus avós estavam na cidade. E também sabia que o Radio Waves teria uma apresentação em um colégio em breve, e eles provavelmente estariam ensaiando. E até levei a nevasca da noite anterior em consideração, era bem possível que ele tivesse passado metade da sexta-feira tirando neve da calçada.


Minhas mãos ainda tremiam ao pensar em encontrá-lo. A Lua pessimista tinha reaparecido, mais forte do que nunca. Quase esperava que ele surgisse com uma placa dizendo: ‘Passei o fim de semana com Sophia Abrahão’.

— Tenho certeza de que ele só estava ocupado — assegurou Mel. — Sophia não é ninguém comparada com você. Ela é pura aparência, sem nenhum conteúdo.

— Oh, eu me sinto muito melhor agora — respondi com ironia. — Todo mundo sabe que os garotos de dezessete anos preferem mil vezes o conteúdo à reles aparência, é claro... De que planeta você veio, Mel?

Ela deu de ombros:

— Ei, pelo menos estou olhando pelo lado bom da coisa.

— Não tem lado bom nessa história — respondi meio deprimida. Quando Mel e eu nos sentamos não havia sinal de Chay. A sra. Heinsohn então pediu que entregássemos o exercício de escrever uma história curta. Eu abri meu caderno mas mantinha um olho grudado na direção da porta.

— Sobre o que é a sua história? — perguntou Mel, esticando o pescoço para espiar meu caderno.

— Nada interessante. Na verdade é meio idiota — respondi rapidinho.

Minha história era sobre uma garota e um garoto que eram muito amigos. Uma certa noite eles se beijam romanticamente isso quase arruina a amizade entre eles. No fim da história eles fazem as pazes. A idéia não era muito original, mas todos dizem que escrever alivia as culpas. Imaginei que escrever sobre o que acontecera comigo e com o Arthur seria uma boa terapia, e pode parecer estranho mas foi mesmo.

Voltei-me para Mel:

— E a sua?

— A minha é meio idiota também — ela respondeu.

Dei uma espiada na história dela. Em letras maiúsculas ela tinha escrito no topo da página SOCORRO! TENHO UMA QUEDA PELO MELHOR AMIGO DE MINHA MELHOR AMIGA! Pelo título dava para ter uma boa idéia sobre o que era a história de Mel. Se a sra. Heinsohn fosse apenas um pouquinho esperta, certamente conseguiria perceber as semelhanças entre os personagens masculinos de nossas histórias. Suspirei. A segunda-feira não estava sendo um dia bom.

Cinco minutos depois de tocar o sinal, Chay chegou. Ele sorriu e se desculpou com a sra. Heinsohn, sentando-se em uma carteira próximo da porta. Tentei olhá-lo nos olhos, mas ele estava concentrado em ler a tarefa que a professora havia colocado em sua carteira.

Pelos quinze minutos que se seguiram procurei resistir à tentação de ficar olhando para onde ele estava sentado. Se ele queria me ignorar, eu é que não iria ficar de olho comprido, atravessando a sala, para o lado dele. ‘Acabou’, repetia para mim mesma, ele ainda ama Sophia.

Quando Mel me deu um tapinha no ombro, quase pulei na carteira. Ela me passou um papel todo dobrado e sacudiu a cabeça na direção de Chay.

Meu coração disparou ao abrir o bilhete: ‘Lua, me encontre assim que acabarem as aulas. Amor, Chay’.

Dei uma olhadela e percebi que ele estava me encarando. Fiz que sim com a cabeça e sorri, voltando a atenção para a sra. Heinsohn. Meu coração se aliviou. Talvez ele tivesse mesmo uma boa razão para não ter telefonado no final de semana. Por enquanto a solução era esperar pelo melhor.

— Não posso me demorar muito — expliquei ao Chay, fechando a porta do jipe dele. — Tenho de estar na casa de Nina Johnson dentro de meia hora.

Ele estava bonito como sempre, vestindo uma blusa preta de gola olímpica e um jeans desbotado. Seus olhos brilhavam muito. "Ele está feliz por me ver", pensei. Um arrepio gostoso correu pela minha espinha. Finalmente as coisas iriam voltar ao normal.

— Espero que me desculpe por não ter ligado este fim de semana — disse ele.

Fiz que não me importava, como se não tivesse nem percebido que o telefone havia ficado mudo por três dias inteiros.

— Oh, tudo bem. Eu estava ocupada com meus avós.

Ele concordou.

— Sim, eu estava ocupado também.

Decidi olhar diretamente em seus olhos e perguntar sobre sua ex-namorada. Se o passado era passado, então não haveria motivo para ciúmes.

— Então, teve chance de ver a Sophia no fim de semana? — perguntei. — Ouvi dizer que ela estava na cidade.

Chay mordeu o lábio e ficou olhando fixamente para o volante do jipe, como se fosse um quadro de Picasso em vez de alguns quilos de metal e plástico.

— Ahh, sim. Na verdade, foi por isso que estive ocupado.

— Oh.

Não havia mais nada a dizer. Deveria sair do carro e nunca mais falar com ele. A mistura de excitação e culpa em sua voz já havia dito tudo o que eu precisava saber. De repente estava cara a cara com a possibilidade real de ser descartada.

Como uma boba, não saí do carro. Apenas fiquei sentada ali, parada, em silêncio, esperando que ele dissesse mais alguma coisa.

— Ela não sai com ninguém na escola. E realmente sente a minha falta... e acho que sinto falta dela também.

— Oh — disse de novo.

Lágrimas tentavam brotar de meus olhos e pisquei rapidamente. Quase permitira que Chay percebesse quanto me sentia humilhada e magoada.

— Vamos tentar uma relação a longa distância — prosseguiu. — Não é que eu não ame você, acho você muito legal. Mas acho que... Sophia e eu estamos destinados a ficar juntos, sabe?

Engoli em seco e me endireitei no assento do jipe.

— Acho isso muito bacana, Chay — falei. Surpreendentemente minha voz parecia natural e suave.

— É mesmo? — ele perguntou, espantado.

— Sim. Porque tem uma coisa que preciso dizer a você também.

Enfiei as mãos nos bolsos do casaco para que ele não percebesse que estavam trêmulas.

— Tem, é?

De novo ele pareceu surpreso. Suas belas sobrancelhas estavam levantadas, e ele me encarava direto nos olhos.

— Sim. Nesse fim de semana, Arthur e eu percebemos que estamos apaixonados um pelo outro.

Mesmo enquanto falava, não podia acreditar que aquelas palavras estivessem saindo de minha boca. "Desculpe, Arthur", pensei.

— Oh.

Senti uma certa satisfação quando notei que Chay ficava abalado.

— Não é uma coincidência muito engraçada? — perguntei. — Temos tanta sorte que terminamos sem magoar um ao outro.

— Sim — concordou Chay, embora parecendo confuso.

— Bem, acho que nos veremos por aí. — Inclinei-me e dei um beijo no rosto dele. Abri a porta e saí do carro.

— Tchau, Lua.

— Tchau, Chay — respondi, fechando a porta atrás de mim.

Quando ele saiu do estacionamento, meus joelhos se dobraram e caí no chão em soluços.

Normalmente gosto de tomar conta de Nina. Naquela tarde, porém, isso parecia mais uma sentença de prisão que um trabalho. Ela ficou me perguntando coisas sobre a relação entre meninos e meninas a cada minuto.

— Marcy Stein vai dar uma festa na sexta-feira — disse ela. Nós estávamos no estúdio da casa dos Johnson, pois eu ajudava a garotinha em um projeto de artes para a escola.

— Legal — respondi vagamente. Não estava lá morrendo de vontade de falar sobre festas.

— Ela vai convidar uns garotos — continuou Nina. Ela parecia ansiosa por conhecer minha reação.

— Que emocionante.

Percebi na hora que não estava sendo justa com Nina, e o olhar magoado em seu rosto me fez sentir uma onda de culpa.

— Desculpe — disse, dando um abraço nela. — Tenho certeza de que vocês vão se divertir muito.

Nina era uma garotinha, mas não era boba. Ela sabia que alguma coisa tinha acontecido.

— O que foi, Lua? Você parece triste.

Fiz que não liguei, tentando conter as lágrimas.

— Chay e eu terminamos hoje. Por isso estou triste.

— Eu não gostava dele mesmo — retrucou ela, como se essa declaração encerrasse o assunto.

— Você nem o conhecia — lembrei a ela.

— Certo, mas o Arthur me falou dele,

Ela recortou um coração de papel e escreveu suas iniciais nele.

— E o que ele disse?

— Disse que Chay era um grande pateta e que você merecia alguém muito melhor.

Quase caí na risada. Desde quando Arthur discutia minha vida amorosa com uma garotinha de dez anos?

— Acho que ele não deveria ter dito isso. Com quem eu saio não é da conta dele. Ou da sua.

Vi Nina escrever outras iniciais no coração de papel, H.R , que deveria ser sua paixão mais recente.

— Mas ele estava certo. Não estava?

Ela me olhou com seus olhos azuis, grandes e confiantes.

— Sim — suspirei. — Acho que ele acertou.

Fiquei em pé na entrada da casa do Arthur tremendo de frio. Tinha saído tão depressa que nem me lembrara de pegar o casaco.

— Lua!

No instante em que me viu, Arthur me deu um grande abraço.

— Sinto muito — cochichou em meu ouvido.

Enxuguei as lágrimas na manga da blusa dele e o encarei com curiosidade.

— Como você soube?

— Pela expressão do seu rosto, poderia dizer que alguém de sua família tinha morrido ou que você e Chay tinham terminado. Como sua mãe me pareceu normal quando falei com ela ao telefone, imaginei que seria a outra coisa.

Cobri meu rosto com as mãos e me atirei no sofá da sala de estar dos Aguiar.

— Me sinto péssima.

— Sei exatamente como você se sente.

Ele sentou-se perto de mim e me deu uns tapinhas nas costas.

— Como você pode saber o que estou sentindo?

— Pérola me chutou quando estávamos patinando domingo — respondeu ele com voz natural.

— Por quê?

Essa novidade era chocante o bastante para me fazer esquecer minha própria dor por um instante.

— Quem sabe?

Ele atirou-se no sofá, todo torto.

— Eu nunca fui com a cara dela. — Dei todo o meu apoio ao Arthur e não ia sentir nenhuma falta de ser boazinha com a rainha Pérola.

— E eu nunca gostei do Chay.

— Falando em Chay, disse a ele uma coisa realmente idiota.

Eu tinha decidido me confessar. Arthur estava prestes a me ouvir contar que eu anunciara que nós dois estávamos apaixonados.

— O quê? — perguntou ele.

— Promete que não vai ficar zangado.

— O quê? Fala logo.

Sua voz soava impaciente, e eu não queria irritá-lo mais ainda antes de colocar para fora o que tinha a dizer.

— Bem, quando o Chay me disse que ele e a Sophia estavam reatando, eu me senti tão completamente humilhada...

— Que...? — Arthur pressionou.

— Que, para salvar as aparências, disse a ele que nós dois estávamos apaixonados um pelo outro.

Fiquei olhando fixamente para um vaso, esperando por seu ataque de raiva. Para minha surpresa, ele soltou uma gargalhada.

— E quem se importa? — disse.

Pelo menos era uma preocupação a menos na minha cabeça.

— Claro. O pessoal vive dizendo que somos apaixonados, você sabe disso. Em uma semana a gente diz para todo mundo que decidimos que o melhor é ser apenas bons amigos e tudo fica por isso mesmo.

Pela primeira vez desde que Chay tinha terminado comigo, sorri.

— Você está certo. O que a gente faz não é da conta de ninguém.

Arthur concordou balançando a cabeça.

— E mal posso esperar para ver a cara de Pérola. Será um momento digno de uma foto.