Quando Mel e eu fomos para a aula de redação na segunda-feira de manhã, minhas mãos estavam suadas e sentia meu estômago enjoado. Não conversava com o Chay desde a noite do Dia de Ação de Graças e passara a maior parte do domingo tentando convencer a mim mesma de que haveria uma boa razão para que ele não tivesse me telefonado. Um motivo seria porque seus avós estavam na cidade. E também sabia que o Radio Waves teria uma apresentação em um colégio em breve, e eles provavelmente estariam ensaiando. E até levei a nevasca da noite anterior em consideração, era bem possível que ele tivesse passado metade da sexta-feira tirando neve da calçada.
Minhas mãos ainda tremiam ao pensar em encontrá-lo. A Lua pessimista tinha reaparecido, mais forte do que nunca. Quase esperava que ele surgisse com uma placa dizendo: ‘Passei o fim de semana com Sophia Abrahão’.
— Tenho certeza de que ele só estava ocupado — assegurou Mel. — Sophia não é ninguém comparada com você. Ela é pura aparência, sem nenhum conteúdo.
— Oh, eu me sinto muito melhor agora — respondi com ironia. — Todo mundo sabe que os garotos de dezessete anos preferem mil vezes o conteúdo à reles aparência, é claro... De que planeta você veio, Mel?
Ela deu de ombros:
— Ei, pelo menos estou olhando pelo lado bom da coisa.
— Não tem lado bom nessa história — respondi meio deprimida. Quando Mel e eu nos sentamos não havia sinal de Chay. A sra. Heinsohn então pediu que entregássemos o exercício de escrever uma história curta. Eu abri meu caderno mas mantinha um olho grudado na direção da porta.
— Sobre o que é a sua história? — perguntou Mel, esticando o pescoço para espiar meu caderno.
— Nada interessante. Na verdade é meio idiota — respondi rapidinho.
Minha história era sobre uma garota e um garoto que eram muito amigos. Uma certa noite eles se beijam romanticamente isso quase arruina a amizade entre eles. No fim da história eles fazem as pazes. A idéia não era muito original, mas todos dizem que escrever alivia as culpas. Imaginei que escrever sobre o que acontecera comigo e com o Arthur seria uma boa terapia, e pode parecer estranho mas foi mesmo.
Voltei-me para Mel:
— E a sua?
— A minha é meio idiota também — ela respondeu.
Dei uma espiada na história dela. Em letras maiúsculas ela tinha escrito no topo da página SOCORRO! TENHO UMA QUEDA PELO MELHOR AMIGO DE MINHA MELHOR AMIGA! Pelo título dava para ter uma boa idéia sobre o que era a história de Mel. Se a sra. Heinsohn fosse apenas um pouquinho esperta, certamente conseguiria perceber as semelhanças entre os personagens masculinos de nossas histórias. Suspirei. A segunda-feira não estava sendo um dia bom.
Cinco minutos depois de tocar o sinal, Chay chegou. Ele sorriu e se desculpou com a sra. Heinsohn, sentando-se em uma carteira próximo da porta. Tentei olhá-lo nos olhos, mas ele estava concentrado em ler a tarefa que a professora havia colocado em sua carteira.
Pelos quinze minutos que se seguiram procurei resistir à tentação de ficar olhando para onde ele estava sentado. Se ele queria me ignorar, eu é que não iria ficar de olho comprido, atravessando a sala, para o lado dele. ‘Acabou’, repetia para mim mesma, ele ainda ama Sophia.
Quando Mel me deu um tapinha no ombro, quase pulei na carteira. Ela me passou um papel todo dobrado e sacudiu a cabeça na direção de Chay.
Meu coração disparou ao abrir o bilhete: ‘Lua, me encontre assim que acabarem as aulas. Amor, Chay’.
Dei uma olhadela e percebi que ele estava me encarando. Fiz que sim com a cabeça e sorri, voltando a atenção para a sra. Heinsohn. Meu coração se aliviou. Talvez ele tivesse mesmo uma boa razão para não ter telefonado no final de semana. Por enquanto a solução era esperar pelo melhor.
— Não posso me demorar muito — expliquei ao Chay, fechando a porta do jipe dele. — Tenho de estar na casa de Nina Johnson dentro de meia hora.
Ele estava bonito como sempre, vestindo uma blusa preta de gola olímpica e um jeans desbotado. Seus olhos brilhavam muito. "Ele está feliz por me ver", pensei. Um arrepio gostoso correu pela minha espinha. Finalmente as coisas iriam voltar ao normal.
— Espero que me desculpe por não ter ligado este fim de semana — disse ele.
Fiz que não me importava, como se não tivesse nem percebido que o telefone havia ficado mudo por três dias inteiros.
— Oh, tudo bem. Eu estava ocupada com meus avós.
Ele concordou.
— Sim, eu estava ocupado também.
Decidi olhar diretamente em seus olhos e perguntar sobre sua ex-namorada. Se o passado era passado, então não haveria motivo para ciúmes.
— Então, teve chance de ver a Sophia no fim de semana? — perguntei. — Ouvi dizer que ela estava na cidade.
Chay mordeu o lábio e ficou olhando fixamente para o volante do jipe, como se fosse um quadro de Picasso em vez de alguns quilos de metal e plástico.
— Ahh, sim. Na verdade, foi por isso que estive ocupado.
— Oh.
Não havia mais nada a dizer. Deveria sair do carro e nunca mais falar com ele. A mistura de excitação e culpa em sua voz já havia dito tudo o que eu precisava saber. De repente estava cara a cara com a possibilidade real de ser descartada.
Como uma boba, não saí do carro. Apenas fiquei sentada ali, parada, em silêncio, esperando que ele dissesse mais alguma coisa.
— Ela não sai com ninguém na escola. E realmente sente a minha falta... e acho que sinto falta dela também.
— Oh — disse de novo.
Lágrimas tentavam brotar de meus olhos e pisquei rapidamente. Quase permitira que Chay percebesse quanto me sentia humilhada e magoada.
— Vamos tentar uma relação a longa distância — prosseguiu. — Não é que eu não ame você, acho você muito legal. Mas acho que... Sophia e eu estamos destinados a ficar juntos, sabe?
Engoli em seco e me endireitei no assento do jipe.
— Acho isso muito bacana, Chay — falei. Surpreendentemente minha voz parecia natural e suave.
— É mesmo? — ele perguntou, espantado.
— Sim. Porque tem uma coisa que preciso dizer a você também.
Enfiei as mãos nos bolsos do casaco para que ele não percebesse que estavam trêmulas.
— Tem, é?
De novo ele pareceu surpreso. Suas belas sobrancelhas estavam levantadas, e ele me encarava direto nos olhos.
— Sim. Nesse fim de semana, Arthur e eu percebemos que estamos apaixonados um pelo outro.
Mesmo enquanto falava, não podia acreditar que aquelas palavras estivessem saindo de minha boca. "Desculpe, Arthur", pensei.
— Oh.
Senti uma certa satisfação quando notei que Chay ficava abalado.
— Não é uma coincidência muito engraçada? — perguntei. — Temos tanta sorte que terminamos sem magoar um ao outro.
— Sim — concordou Chay, embora parecendo confuso.
— Bem, acho que nos veremos por aí. — Inclinei-me e dei um beijo no rosto dele. Abri a porta e saí do carro.
— Tchau, Lua.
— Tchau, Chay — respondi, fechando a porta atrás de mim.
Quando ele saiu do estacionamento, meus joelhos se dobraram e caí no chão em soluços.
Normalmente gosto de tomar conta de Nina. Naquela tarde, porém, isso parecia mais uma sentença de prisão que um trabalho. Ela ficou me perguntando coisas sobre a relação entre meninos e meninas a cada minuto.
— Marcy Stein vai dar uma festa na sexta-feira — disse ela. Nós estávamos no estúdio da casa dos Johnson, pois eu ajudava a garotinha em um projeto de artes para a escola.
— Legal — respondi vagamente. Não estava lá morrendo de vontade de falar sobre festas.
— Ela vai convidar uns garotos — continuou Nina. Ela parecia ansiosa por conhecer minha reação.
— Que emocionante.
Percebi na hora que não estava sendo justa com Nina, e o olhar magoado em seu rosto me fez sentir uma onda de culpa.
— Desculpe — disse, dando um abraço nela. — Tenho certeza de que vocês vão se divertir muito.
Nina era uma garotinha, mas não era boba. Ela sabia que alguma coisa tinha acontecido.
— O que foi, Lua? Você parece triste.
Fiz que não liguei, tentando conter as lágrimas.
— Chay e eu terminamos hoje. Por isso estou triste.
— Eu não gostava dele mesmo — retrucou ela, como se essa declaração encerrasse o assunto.
— Você nem o conhecia — lembrei a ela.
— Certo, mas o Arthur me falou dele,
Ela recortou um coração de papel e escreveu suas iniciais nele.
— E o que ele disse?
— Disse que Chay era um grande pateta e que você merecia alguém muito melhor.
Quase caí na risada. Desde quando Arthur discutia minha vida amorosa com uma garotinha de dez anos?
— Acho que ele não deveria ter dito isso. Com quem eu saio não é da conta dele. Ou da sua.
Vi Nina escrever outras iniciais no coração de papel, H.R , que deveria ser sua paixão mais recente.
— Mas ele estava certo. Não estava?
Ela me olhou com seus olhos azuis, grandes e confiantes.
— Sim — suspirei. — Acho que ele acertou.
Fiquei em pé na entrada da casa do Arthur tremendo de frio. Tinha saído tão depressa que nem me lembrara de pegar o casaco.
— Lua!
No instante em que me viu, Arthur me deu um grande abraço.
— Sinto muito — cochichou em meu ouvido.
Enxuguei as lágrimas na manga da blusa dele e o encarei com curiosidade.
— Como você soube?
— Pela expressão do seu rosto, poderia dizer que alguém de sua família tinha morrido ou que você e Chay tinham terminado. Como sua mãe me pareceu normal quando falei com ela ao telefone, imaginei que seria a outra coisa.
Cobri meu rosto com as mãos e me atirei no sofá da sala de estar dos Aguiar.
— Me sinto péssima.
— Sei exatamente como você se sente.
Ele sentou-se perto de mim e me deu uns tapinhas nas costas.
— Como você pode saber o que estou sentindo?
— Pérola me chutou quando estávamos patinando domingo — respondeu ele com voz natural.
— Por quê?
Essa novidade era chocante o bastante para me fazer esquecer minha própria dor por um instante.
— Quem sabe?
Ele atirou-se no sofá, todo torto.
— Eu nunca fui com a cara dela. — Dei todo o meu apoio ao Arthur e não ia sentir nenhuma falta de ser boazinha com a rainha Pérola.
— E eu nunca gostei do Chay.
— Falando em Chay, disse a ele uma coisa realmente idiota.
Eu tinha decidido me confessar. Arthur estava prestes a me ouvir contar que eu anunciara que nós dois estávamos apaixonados.
— O quê? — perguntou ele.
— Promete que não vai ficar zangado.
— O quê? Fala logo.
Sua voz soava impaciente, e eu não queria irritá-lo mais ainda antes de colocar para fora o que tinha a dizer.
— Bem, quando o Chay me disse que ele e a Sophia estavam reatando, eu me senti tão completamente humilhada...
— Que...? — Arthur pressionou.
— Que, para salvar as aparências, disse a ele que nós dois estávamos apaixonados um pelo outro.
Fiquei olhando fixamente para um vaso, esperando por seu ataque de raiva. Para minha surpresa, ele soltou uma gargalhada.
— E quem se importa? — disse.
Pelo menos era uma preocupação a menos na minha cabeça.
— Claro. O pessoal vive dizendo que somos apaixonados, você sabe disso. Em uma semana a gente diz para todo mundo que decidimos que o melhor é ser apenas bons amigos e tudo fica por isso mesmo.
Pela primeira vez desde que Chay tinha terminado comigo, sorri.
— Você está certo. O que a gente faz não é da conta de ninguém.
Arthur concordou balançando a cabeça.
— E mal posso esperar para ver a cara de Pérola. Será um momento digno de uma foto.