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quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Capítulo Sete


Quarta-feira, 1º de novembro

10 horas da manhã

Ontem Chay me convidou para o Baile de Boas-Vindas. Estávamos na festa do Dia das Bruxas na casa de Caroline Sung (eu estava de bruxa e ele, de pirata), e ele me convidou sob a luz negra que criava efeitos especiais no salão. No começo da noite confesso que fiquei aborrecida quando ele passou um tempão me contando como havia sido a festa do Dia das Bruxas no ano passado, quando ainda estava namorando Sophia. Eu não estava com o humor muito bom porque Arthur não tinha aparecido. Ele e Pérola tinham ido à casa de um certo jogador de futebol.

Mas o que importa é que Chay me convidou para o Baile de Boas-Vindas: será minha primeira festa na escola em que terei um namorado oficial. Será que isso significa que estamos apaixonados um pelo outro?

P.S.: Mal posso esperar para contar ao Arthur as novidades. Parece que a gente não conversa há anos.

O inverno chegava. Todos estavam vestindo suas blusas de lã e comentando que podiam enxergar a própria respiração no ar frio fora de casa. À noite, fechei a janela de meu quarto e me perguntei se já era hora de ligar meu cobertor elétrico. Quando fui dar aula para Nina Johnson, nosso espaço passou a ser a sala de jogos no porão, e não mais o jardim. Mel decidiu que podia começar a usar seu Sutiã Maravilha.

Mesmo repetindo a todo instante que essa coisa de baile de escola é muito infantil e idiota, eu ardia de ansiedade pelo momento de entrar no salão tendo o braço de Chay em minha cintura. Via a mim mesma com um pequeno buquê de rosas vermelhas no vestido, brincos de zircônia pendendo sobre os ombros expostos, os tornozelos provocantes rodeados pelas tiras das sandálias de salto alto.

A banda Radio Waves estaria tocando no baile, e por isso eu não poderia ficar muito tempo junto de Chay. Mas eu me sentia feliz sabendo que qualquer uma das garotas no salão se derreteria de ciúmes por saber que era eu quem acompanhava o grande astro.

Na sexta à tarde, Mel e eu fomos ao shopping ver umas roupas. Ela havia concordado em ir ao baile com um dos amigos de Chay, embora não estivesse muito a fim.

— Que tal este? — Mel perguntou.

Ela ria e segurava um vestido de tafetá rosa, com uma blusa balão. Em volta dos ombros tinha desenhos de fadas ou qualquer coisa assim. O vestido era horrível.

— Se eu me vestisse assim, só faltaria me embrulhar em folhas de gibi pra ficar parecendo um chiclete de bola.

Fui olhar em outros cabides e peguei um vestido preto curto. Tinha um bolero com aplicações de contas e era perfeito.

Mel pegou um vestido de seda verde, e então entramos no provador.

— Acho que Arthur e a tal de Pérola estão namorando sério — ela comentou.

Ela estava tirando a blusa de lã, e por isso sua voz saiu meio abafada, mas mesmo assim eu entendi.

Comecei a desamarrar minhas botas pretas.

— Eles irão ao Baile de Boas-Vindas juntos, se é isso que você quer dizer.

Arranquei as botas e tirei as meias pretas grossas, imaginando que elas não combinariam de jeito nenhum com um vestido de baile.

Ellen virou de costas para mim e puxei o fecho do vestido verde. Eu podia dizer que o "auxiliar da natureza", que era como ela chamava o seu Sutiã Maravilha, combinava muito bem com aquele vestido.

— Sim. Sei que eles vão ao baile — minha amiga comentou. — Faz um tempão que o Arthur convidou a Pérola. Mas aquele bracelete que ele deu a ela me parece um bocado caro. Micael Borges me contou que Arthur detonou uma boa parte do dinheiro que ganhou com seu trabalho durante as férias de verão.

Parei o fecho pela metade.

— Que papo é esse? Que bracelete?

Pelo espelho, pude ver Mel levantar as sobrancelhas.

— Você não sabe?

Balancei a cabeça, tentando parecer indiferente.

— Não, acho que ele se esqueceu de me falar sobre isso. Não tem problema.

— Bem, é de ouro com uma opala. Opala é a pedra da sorte dela. Vi o bracelete quando estávamos no banheiro ontem. Aliás, do jeito que ela fazia com as mãos, era preciso ser cego para não ver.

Fiz de conta que não tinha interesse no que ela dizia:

— Hum, não sabia que Arthur era do tipo que apela para coisas como comprar uma pedra da sorte para uma garota. Que coisa mais antiga, papo dos anos 60...

— Tenho certeza de que ele vai comentar com você sobre o bracelete. Vai ver nem teve a chance ainda. — Mel ficou na ponta dos pés para ver qual vestido caía melhor.

— Claro. Tenho certeza de que ele se esqueceu.

Mas eu estava furiosa. Como Arthur tinha deixado de contar uma coisa tão importante quanto essa a sua melhor amiga? E eu tinha certeza absoluta de que ele havia conversado com o Micael sobre o presente, e até mesmo consultado Micael sobre o que deveria comprar. O Arthur nunca foi de dar presentes a suas namoradas, especialmente jóias caras. Quanto a mim, a única coisa que ele algum dia me deu foi um peixinho dourado (que, por sinal, morreu três dias depois).

Afinal era possível que Arthur realmente estivesse amando Pérola. Se isso era verdade, nossa aposta daria em empate. Eu estava certa de que amava Chay. Mas será que o Arthur ia me abandonar, agora que tinha achado alguém melhor que eu? No passado nossa amizade sempre estivera em primeiro lugar. Ele me contava tudo a respeito de tudo que acontecia em seu dia-a-dia, incluindo sua vida amorosa. Agora parecia que ele não estava precisando mais de mim. Talvez eu tivesse de dizer adeus ao meu melhor amigo. Era um pensamento muito deprimente, para dizer o mínimo.

Mel girava em frente aos três espelhos e alisava o vestido de seda na altura do peito. Ela parecia usar pelo menos manequim quarenta.

— Bem, acho que o Arthur namorando a Pérola Faria é um desperdício de um cara legal. Ela é horrorosa.

— Por que diz isso?

Admito que não gostava muito de Pérola. Toda vez que a encontrava ela me ignorava. Porém já estava bem acostumada a receber um gelo das namoradas de Arthur, e isso não me incomodava. Na verdade até que essa atitude delas me fazia bem. Mas ainda estava surpresa por Mel ter essa opinião negativa sobre a última conquista de Arthur.

— Argh. A garota só quer aparecer. Eu a ouvi jogando conversa fora sobre Arthur no banheiro das garotas. Só ficava falando de como ele era bonito, mas não disse uma palavra sobre a personalidade interessante dele, por exemplo. — Ela abriu o fecho e tirou o vestido.

— Verdade? — Eu ainda me olhava no espelho. Por algum motivo, o vestido preto perdera o encanto. Sentia meu estômago se revirando e já não estava com muita vontade de fazer compras.

— Ela disse a Amanda Wright que o Arthur seria o seu bilhete para a popularidade. Como todo mundo o conhecia, ela acabaria sendo reconhecida também. Contou que, quando estava no terceiro ano, era a chefe das líderes de torcida e namorava o quarto zagueiro. Como é possível ser uma pessoa tão superficial?

Segurei o vestido preto e o bolero.

— Você está com ciúmes de Pérola, não está? Quero dizer, sei que você tem uma queda pelo Arthur, mas ele não seria um bom namorado, ele é muito galinha. Acredite em mim, melhor ficar na amizade.

Mel franziu a testa:

— Lua, eu não estou com ciúmes. Você está?

— Não me faça rir — respondi indignada. — Eu nunca sairia com o Arthur para namoro. Já disse isso pra você umas cem vezes.

— Eu sei que você disse. — Mel vestiu os jeans e procurou pelos sapatos. — Mas você nunca me explicou de verdade por que não quer sair com ele.

Suspirei.

— Por uma razão muito simples. Eu estou com o Chay. E, mesmo que não estivesse, Arthur e eu não fomos feitos um para o outro.

— Continue explicando — ela pediu, levantando as sobrancelhas e olhando para mim.

— Ele é como um irmão para mim, não sabe assumir um compromisso, é arrogante, gosta de outros sabores de sorvete de que eu não gosto, e sempre temos brigas idiotas para ver quem fica com o controle remoto da TV.

Eu sabia que era só conversa inconseqüente, mas a cutucada de Mel me pegou de jeito. Falar de Arthur desse modo tão pessoal me deixava encabulada.

Mel riu.

— Bem, posso ver que vocês formam uma dupla e tanto. Desisto deste papo. Sei que você detesta falar sobre o Arthur.

— Obrigada. Agora vamos sair logo daqui. Não estou encontrando o vestido que queria.

Enquanto saíamos da loja, tentei ignorar a sensação de enjôo. Ainda não podia acreditar que o Arthur não me dissera nada sobre o tal bracelete. Assim que cheguei em casa, telefonei para ele. Arthur teria de me explicar um monte de coisas.


Enrolava o fio do telefone no dedo indicador, enquanto esperava que alguém atendesse a ligação na casa de Arthur. Ao terceiro toque, ouvi a voz suave da sra. Aguiar.

— Alô, senhora Aguiar. Posso falar com Arthur?

Chutei as botas para longe e me estendi de costas na cama.

— Lua, que bom ouvir sua voz. Parece que faz tanto tempo que não nos falamos.

— Bem, tenho estado muito ocupada. Acho que o Arthur também.

Gostava muito da sra. Aguiar. Ela era como uma segunda mãe para mim.

— Lua? — Arthur atendeu na extensão enquanto a sra. Aguiar desligava.

— Oi.

Por alguma razão meu coração disparou. De repente Arthur me parecia um estranho.

— O que você vai fazer hoje à noite?

Sabia que ele estava comendo alguma coisa pelo barulho que fazia com a boca e imaginei que seria salgadinho de milho. Ele devorava um saco desses salgadinhos todo santo dia.

— Tenho um encontro com o Chay.

Levei o telefone para perto do armário. Chay viria me apanhar em meia hora, e eu ainda não tinha idéia do que vestir.

— Parece que nossa aposta pode dar em discussão.

Pelo jeito de falar, ele parecia cansado, como se não quisesse conversar comigo.

— É isso aí — respondi, sem conseguir disfarçar o tom de voz, amargo.

— O que você quer dizer com isso?

Ele estava irritado, mas nem me importei com isso.

— Você e Pérola estão ficando muito íntimos. Todo mundo está comentando sobre o extravagante bracelete que você fez questão de dar a ela.

— Era o aniversário dela. E daí?

— Por que você não me contou que estava tão apaixonado por ela, que quis detonar o dinheiro que ganhou trabalhando durante o verão? Eu não significo nada para você para me contar o que anda acontecendo em sua vida?

Estava ficando cada vez mais brava. Arthur poderia ter pelo menos me pedido ajuda para escolher o presente. Tenho um gosto bem melhor que o dele.

— Me desculpe por ter nascido. Achei que você estava ocupada demais, beijando Chay Cara-de-Otário pelos saguões da escola, para prestar atenção em mim.

Agora Arthur também estava nervoso, e nosso papo estava indo para o brejo.

— Ah, e você, que parece ter os lábios grudados nos da Pérola! Já estou achando que vocês são irmãos siameses.

De repente Arthur parou de mastigar.

— Acho que você está preocupada porque vou ganhar a aposta. Você já está se cansando dessa desculpa para ter um namorado e sabe que esse seu namoro não vai durar até o Baile de Inverno.

Peguei uma calça de malha e uma blusa de gola rolê e bati a porta do armário.

— Pois saiba que estou total e absolutamente apaixonada por Chay Suede. Por outro lado, você não saberia o que é amor mesmo se tropeçasse nele. Tudo o que importa para você é um rostinho bonito.

Com a mão livre, tirei a calça jeans. O tempo passava e eu ainda não tinha trocado de roupa. Usava de todo meu autocontrole para não desligar na cara do Arthur.

— Lua, você não me conhece. Parece que passou os últimos três anos em uma nuvem de fumaça.

— Claro que sim — respondi com ironia. — Agora, se você me dá licença, preciso me arrumar para um encontro. Boa tarde.

— O mesmo para você.

Mal consegui ouvir sua voz.

— Tchau.

Bati o telefone no gancho. Quase tinha chorado de raiva, e dentro de dez minutos Chay estaria buzinando lá fora.

Mesmo furiosa com o Arthur, não podia acreditar como nossa conversa tivesse terminado tão mal. Nunca havíamos ficado tão bravos um com o outro e não estava certa de que a gente poderia passar por isso numa boa.

Tentei me animar com a idéia de que ia ter um encontro com Chay, mas as lágrimas escorriam pelo meu rosto. Olhando no espelho, eu me vi pálida, com olhos vermelhos. Poderia estar namorando, mas parecia que tinha perdido meu melhor amigo.

— Você sabe o quanto está bonita hoje? —perguntou Chay, me puxando para mais perto.

Encostei a cabeça em seu peito, ouvindo as batidas de seu coração.

— E você até que não é feio.

Depois de um jantar italiano sensacional, estávamos parados em frente de casa. Chay fora tão atencioso e gentil a noite toda que eu me sentira uma princesa.

— Lua, estou tão feliz por termos nos encontrado. O começo do ano estava uma chatice. Depois que Sophia foi embora, pensei que ficaria sozinho pelo resto da vida. Daí fui para a classe de redação e encontrei você.

— Para mim é coisa do destino.

Olhei para Chay, admirando seus olhos castanhos. Eu estava lealmente vivendo um conto de fadas.

— Para mim também.

A boca de Chay estava tão perto da minha que eu podia sentir suas palavras, em vez de ouvi-las. Passei os braços pelo pescoço dele e puxei-o mais. Ele tocou meu rosto como se fosse de cetim. Acariciei sua nuca com a ponta dos dedos e pude senti-lo estremecer em meus braços.

Por um instante ficamos apenas nos encarando. Depois Chay me beijou, apertando seus lábios contra os meus. Uma espécie de formigamento percorreu meu corpo, enquanto um sentimento estranho de confusão misturada com satisfação tomava conta de mim. Eu tinha aquilo que queria, mas mesmo assim havia essa constante sensação de uma grande desilusão. Por quê?

Ignorei o raciocínio lógico e me apertei mais contra ele, fechando os olhos, sob a luz tênue da lua que iluminava toda a nossa varanda.

Não sei quanto tempo ficamos em pé ali, abraçados como se nunca tivéssemos ficado juntos. Quando finalmente nos afastamos, estávamos os dois quase sem fôlego.

Naquele instante a luz da varanda acendeu e apagou algumas vezes. Minha mãe sabia que estávamos ali fora e achava que eu já tinha aproveitado muito por uma noite. Dei uma risada meio sem graça.

Chay sorriu, passando a mão por meus cabelos e colocando-os para trás das orelhas. Inclinou-se para a frente e me deu um beijinho na testa, e em seguida se abaixou para sussurrar em meu ouvido.

— Vou cantar uma música só para você no baile.

Entrei em casa e percebi que minha mãe discretamente já saíra do corredor de entrada. Fui até a janela da sala e abri a cortina branca de filó. Chay entrara no jipe e seu rosto estava mergulhado nas sombras. Fechei a cortina, que fez um som abafado de assobio.

Enquanto subia as escadas na ponta dos pés, uma parte de mim se sentia nas nuvens. Já tinha conseguido atingir meu objetivo para o último ano da escola. Ainda nem havíamos passado pelas férias e eu me apaixonara pela primeira vez em minha vida. Quem poderia imaginar que a cínica Lua Blanco poderia fazer brilhar os olhos de Chay, como naquela noite? Parecia mesmo um milagre.

Contudo uma outra parte de mim se sentia como se tivesse sido atropelada. Embora pudesse ligar para Mel e contar os detalhes da minha romântica noite com Chay, Arthur se afastara de mim. Se eu não podia partilhar as coisas boas da minha vida com a pessoa que eu considerava a mais importante no mundo, era quase como se elas nunca tivessem acontecido.

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