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quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Capítulo Três


Eu sabia que, mesmo em um dia que estivesse de bom humor, odiaria ter física nas primeiras aulas. Nos próximos seis meses, logo de manhã, estaria lidando com equações confusas e experiências de laboratório chatas. Acho que ninguém deveria ter de encarar assuntos como matemática ou coisa parecida antes do almoço.


Sentada, ouvindo a voz da Sra. Gordon para lá e para cá resmungando alguma coisa sobre velocidade, eu olhava para o rosto do Arthur. A expressão dele variava como se estivesse meditando sobre algum fato que tivesse achado realmente interessante. Pressenti que pensava sobre a nossa aposta, e a maneira arrogante com que se sentava, com os ombros jogados para trás, me provocou uma sensação de mal-estar.

Não era justo. Arthur sempre tinha muita sorte e eu, não. Uma vez ele tinha me convencido a ir junto com ele e sua avó a um bingo em um centro para pessoas da terceira idade. No fim da noite, ele havia ganho uma boa grana. Quando finalmente consegui vencer uma rodada, o prêmio não era em dinheiro, mas uma daquelas camisetas com a inscrição: "Minha vó esteve nas cataratas do Niágara e tudo que ela me trouxe foi esta camiseta vagabunda". Depois daquela noite, toda vez que a avó dele estava por perto, ele insistia para que eu usasse essa camiseta. E ainda por cima verde-limão NÃO é uma das minhas cores preferidas!

Quando o sinal tocou, a Sra. Gordon ainda resolvia o primeiro conjunto de questões. Tinha tanta coisa anotada que dava a impressão de que a gente estava escrevendo um tratado. Acho que é assim mesmo que se parecem todos os problemas físicos.
Antes de sairmos da sala, Arthur me passou um pedaço de papel que estivera rabiscando durante a aula. Tinha desenhado a si mesmo dentro de um grande coração e eu do lado de fora, tentando lançar uma flecha. Sobre a cabeça da minha figura estava um balão com a inscrição: "As de cabelos loiros se divertem mais".

- Rá,rá, rá.- disse secamente - Você vai ficar só pensando nessa aposta idiota durante os próximos quatro meses?

Arthur arreganhou um sorriso meio safado e me deu um tapinha nas costas.

- Claro que não. Logo, logo vou estar apaixonado e não vou ter mais muito tempo para curtir a minha vitória. - Respondeu dando um puxãozinho em meu cabelo, e foi embora.

Arrastei para meu armário aquele enorme livro de física que mais parecia de chumbo. Mal tinham dado às dez horas, e o dia já estava com cara de ser o pior de toda a minha vida no colegial.

Fechei a porta do armário com tanta força que, além do barulho, fiz chacoalhar todo o conjunto de madeira em volta.

- Mal dia no trabalho, querida? – comentou uma voz sacana, se fazendo de meiga.

- Mel... Liguei pra você umas cinco vezes ontem.

- Desculpe. Meu pai insistiu para que nós visitássemos o Museu de Cera, quando voltávamos de Monterrey. Daí demoramos mais meio dia andando de carro e só chegamos tarde da noite. Meu traseiro ainda está adormecido de tanto tempo que fiquei sentada.

Dei uma risada e a abracei forte. Depois do Arthur, Mel Fronckowiak era a minha melhor amiga. Muito alta, magra e morena, ela tinha aquele olhar perdido que se vê nas modelos de revistas de moda. Era, porém, muito realista e não se considerava nada de especial. Ao contrário, chegava mesmo a se achar um tanto esquisita por não ter muito seio.

- Então, como foi a reunião da família Frazier? – perguntei.

Ela olhou para o teto e juntou as mãos como quem reza:

- Meu pai e meus tios ficaram três dias competindo para ver quem era o melhor pescador. À noite eles jogavam xadrez até tarde, e isso provocava chiliques em minha mãe. Enquanto isso, meus priminhos a toda hora precisavam trocar as fraldas. E adivinhe quem é que sobrou para tomar conta dos pimpolhos?

- Em outras palavras, foi exatamente como você esperava.

Peguei um pente de dentes largos em meu bolso. A umidade estava fazendo com que meu cabelo ficasse todo crespo e, se não cuidasse dele, iria acabar parecendo que tinha um vassourão na cabeça. Ellen segurou meu livro de historia para que eu pudesse me pentear direito. Fazia mais de dois anos que a gente fazia essas mesmas coisas.

- Sim, foi exatamente como eu pensava.- ela confirmou - Mas aconteceu uma surpresa legal.

- Já sei, você se apaixonou pelo seu instrutor de equitação – arrisquei, pegando de volta o livro de historia.

- Muito melhor. – respondeu ela, com um sorriso malandro.

Como naquele momento se apaixonar era um assunto da maior importância para mim, não consegui imaginar o que poderia ser melhor.

- O quê? – perguntei.

- Em duas palavras. Sutiã Maravilha. Minha tia me deu um.

- Você é uma doida. – suspirei.

- Não sou mais. Com esses truques de mulher, eu finalmente vou ter aquilo que mereço. – retrucou Mel, com os olhos faiscando.

Começamos a caminhar pelo saguão. Olhei para ela e, até onde podia perceber Mel parecia a mesma.

- Não quero ser desmancha-prazeres, mas não estou notando nenhuma diferença.

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