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quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Capítulo Oito


Quando cheguei à sala de física, na segunda-feira pela manhã, eu me sentia muito ansioso para ver Lua. A gente não conversava desde aquele papo-furado pelo telefone no sábado à noite, e eu ainda não tinha conseguido sacar o que nos levara a brigar daquele jeito. Falávamos como pessoas normais, mas de repente discutíamos e gritávamos como se fôssemos inimigos em guerra. Ainda não tinha passado a bronca e também não conseguia tirar a briga da minha cabeça.


Lua entrou na sala depois de mim e sentou-se em uma carteira a meu lado. Como havia vários outros lugares vazios, entendi que ela estava com vontade de fazer as pazes.

A sra. Gordon discorria sobre alguma coisa a respeito de atirar moedas do alto do edifício mais alto de Nova York, e aproveitei para rasgar um pedaço de uma folha do caderno. Escrevi em letras de fôrma, bem grandes, "PAZ". (Procurava dar o primeiro passo, mas não tanto a ponto de me desculpar.)

Nos últimos quinze minutos, Lua fizera grandes manobras tentando manter o rosto longe de meus olhos. Tive de cutucá-la com o lápis para entregar o bilhetinho. Ela deu uma olhadela em volta. Quando viu o pedaço de papel, sorriu discretamente. Estiquei o braço, dei um puxãozinho em seu cabelo e entreguei o bilhetinho. De repente me senti como se tivesse tirado um grande peso de cima dos ombros.

Quando o sinal tocou, Lua se levantou e, aproximando-se de mim, colocou a mão em meu ombro.

— Amigos? — perguntou.

Concordei balançando a cabeça e apertando sua mão.

— Sempre.

Quando saíamos da sala, falei com ela.

— Vamos ao Winstead's depois das aulas. Podemos comer umas fritas e lembrar que nós não temos motivo para brigar.

— Boa idéia. Encontro você lá às três horas.

Pérola me esperava no saguão. O bracelete que tinha dado a ela pendia do seu pulso. Dei uma olhada para Lua e vi que tinha um sorriso forçado no rosto.

— Oi, gente — cumprimentou Pérola, olhando para mim.

— Olá, Pérola — respondeu Lua —, que lindo bracelete!

Parecia que Lua falava com sua melhor amiga, e senti um grande alívio ao ver que ela tentava ser gentil com a Pérola.

Pérola segurou o pulso.

— Obrigada, Lua. Foi o Doce Arthur quem me deu. Ela não é mesmo um docinho?

Ela agarrou minha mão e chegou mais perto.

Percebi Lua revirando os olhos. Seus olhos muito castanhos brilhavam, mas não pude compreender exatamente o que se passava em sua cabeça.

— Doce como açúcar — Lua concordou. — Vejo vocês mais tarde, pombinhos.

Enquanto Lua andava rápido pelo saguão, Pérola se esticou e me deu um beijo no rosto.

— Adivinha? - perguntou.

— O quê?

Ainda olhava para Lua, que agora estava com Chay perto da saída de incêndio. Ela ria, e era difícil de acreditar que nós havíamos brigado pelo telefone no sábado à noite.

— Conversei com Carrie Starks. Combinamos de sairmos juntos, ela e Patrick Mayor. Iremos ao baile de sábado à noite todos juntos.

Fiquei preocupado ao me lembrar de como Patrick Mayor se mostrava detestável em ambientes como os bailes da escola. Ele não era uma pessoa com quem eu estivesse morrendo de desejos de me enturmar. Desde que Patrick e Carrie Starks tinham começado a namorar, os dois eram freqüentemente vistos dando um showzinho em público. Não era nada agradável ver aquele robusto jogador de futebol americano socando sua namorada em plena luz do dia. Mas Pérola aparentemente nem percebeu que eu não estava nem um pouco contente.

— Não vai ser legal? — perguntou. — Vamos curtir um bocado juntos! E se eu ficar amiga de Carrie, será um primeiro passo para entrar na equipe das líderes de torcida.

Se ir ao baile com Carrie e Patrick era assim tão importante para ela, por que eu haveria de me preocupar? Afinal, quanto mais contente ela estivesse, mais romântica se sentiria. E bailes são feitos para o romance.

— Vai ser muito legal — respondi, colocando meus braços em volta dela. — Eu topo.

Nós nos separamos na porta da sala onde Pérola teria a próxima aula e depois corri escada acima para a biblioteca, subindo dois degraus a cada passo. Micael e eu estávamos fazendo um trabalho de história e estudávamos também durante o segundo período.

Ele estava em uma mesa bem no meio da biblioteca, rodeado por uns vinte livros dos grandes. Mordia um lápis, compenetrado, e parecia mesmo um estudante muito mais sério do que realmente era.

— Como é, Borges? — cumprimentei, puxando uma cadeira.

— Psiu! Isso é uma biblioteca — disse Micael com o dedo indicador sobre os lábios.

Eu me inclinei para que ele pudesse ouvir o cochicho.

— Como vai o garoto bem-comportado? — perguntei, olhando para os lados para ver se o diretor não estava de olho em nós.

Micael apontou para uma garota na mesa da recepção. Muitos calouros ficam atrapalhados com as normas da biblioteca, mas nunca tinha visto ele se preocupar com isso. A garota tinha cabelos castanhos compridos. Ele se virou para mim.

— Prometi a Rachel que ficaria quieto — confidenciou.

Fiquei surpreso. Teriam seres extraterrestres raptado Micael e colocado um clone em seu lugar? Nunca fora de meu conhecimento que ele se preocupasse em cumprir uma promessa feita a uma bibliotecária.

— E daí?

— Daí que ela é uma garota maravilhosa. Vamos respeitá-la — sussurrou ele, enquanto olhava para mim e para Rachel, que digitava alguma coisa no computador.

Estiquei o braço e coloquei a mão em sua testa.

— Você está com febre? Ou ficou maluco?

Ele empurrou minha mão.

— Vamos fazer o trabalho. Rachel foi muito legal em pegar esses livros para nós. Vamos usá-los.

Apanhei o livro mais próximo e comecei a folheá-lo. Pouco depois, levantei a cabeça para perguntar a Micael como ele gostaria de dividir o trabalho. Ele encarava Rachel com a boca aberta. Acenei, com a mão à frente dos seus olhos, tentando chamar a atenção.

Percebi que ele ficou envergonhado, e um pensamento interessante cruzou minha mente. Ciente do fato ou não, ele tinha se apaixonado pela garota que trabalha na biblioteca.


— O nome dela é Rachel — disse eu a Lua, segurando a porta de vidro do Winstead's. — Ela trabalha na biblioteca.

O Winstead's era um lugar muito legal. Tinha de tudo, de hambúrguer a burritos, apesar de toda a comida ter sempre o mesmo gosto. As mesas eram gastas, e havia uma velha máquina toca-discos automática em um canto. Acho que Lua e eu gastamos metade da nossa vida social nessa lanchonete, principalmente depois que tiramos nossa carteira de motorista. O Winstead's era um local muito popular entre os calouros, que ali costumavam fazer hora, porque dava para ir de bicicleta, já que fica próximo da cidade.

— Rachel Hall? — perguntou Lua, indo direto para sua mesa favorita.

Ficava bem junto ao toca-discos. Lua tinha a tendência de se apossar da máquina e selecionar as músicas enquanto estava por ali.

— Acho que sim. Micael disse que o nome era Rachel. E ele fazia aquela cara de pateta toda vez que dizia o nome dela.

Pendurei nossas jaquetas em um cabide perto da mesa e desabei na cadeira. Tinha sido um dia longo e cansativo.

— Muito interessante. Acho que Rachel não estava na lista do Micael.

Lua abriu o cardápio e tive de esticar o pescoço para ler as palavras de ponta-cabeça.

— Bem, deu para ver que ele tem uma queda por ela.

— Imagino se ela vai querer alguma coisa com ele — argumentou Lua, passando-me o cardápio.

— Vamos dividir uma porção de nachos?

— Puxa, eu estava mesmo a fim de uma porção de nachos, desde que almoçamos aquele sanduíche de atum — concordei.

— De qualquer jeito, eles não parecem que são do tipo nascidos um para o outro. Mas o amor tem seus caprichos.

— Se alguém entende disso, somos nós — concordou Lua.

Ela fez o pedido à garçonete. Depois foi até a máquina e colocou uma moeda.

— Verdade. Quero dizer, há três meses nós dois pensávamos que nunca poderíamos nos apaixonar. E agora veja só.

Sorri para Lua, que retribuiu o sorriso. A garçonete voltou com nosso pedido em seguida. Esses nachos não passam de uma porção de fritas recobertas com molho de queijo. Em um lado do prato se estendia uma fileira de tremoços. Eu poderia jurar que essa porção de nachos do Winstead's era o meu prato predileto.

Lua pegou um punhadinho e colocou na boca.

— Sabe, Arthur, tenho de admitir uma coisa.

— O quê? — perguntei.

— Estou contente de que você me tenha feito concordar com essa aposta idiota. Não sei se teria paquerado o Chay e se estaria com ele agora não fosse a ameaça de ter de sair por aí de loira oxigenada.

— Bem, fico feliz por você estar nessa de garota apaixonada, mas ainda acho que Chay é um panaca.

Comi outra batata, saboreando o queijo derretido.

— Você diz isso só porque quer ganhar a aposta. Não ficaria contente nem um empate?

Sabia que ela não aceitaria nenhum conselho meu, mas enfim não deixara de dar minha opinião. Era o meu jeito de ser.

— Não estou dizendo isso só para ganhar a aposta. Estou sendo totalmente sincero.

— E que você responderia se eu lhe dissesse que Pérola não é uma garota para você?

Uma das músicas que Lua havia selecionado na máquina começou a tocar, e ela se pôs a balançar o corpo, acompanhando o ritmo.

— Eu responderia que não é da sua conta — declarei.

— Pois exatamente.

— Isso quer dizer que não é da minha conta?

— Isso mesmo, adivinhão.

Agitei meu guardanapo como uma bandeira branca.

— Tudo bem.

Ela concordou acenando com a cabeça.

— Pensei que você conseguiria enxergar as coisas do meu ponto de vista.

Lua empurrou o prato de fritas, pegou o copo de água e tomou tudo de um gole só. Vendo a cena, não pude deixar de cair na risada. Ela era realmente uma em um milhão.

Novembro tinha chegado, e o dia 11, sábado, dia do Baile de Boas-Vindas, amanheceu frio mas ensolarado. Na sexta à tarde já tinha preparado tudo para a festa: minha mãe me ajudara a escolher um buquê de rosas vermelhas para Pérola, eu tinha mandado meu único terno para a lavanderia e até mesmo lavara o meu carro. Estava tudo arrumado.

Como Patrick era um jogador e Carrie a líder de torcida, Pérola e eu fomos sozinhos ao jogo. Depois voltaríamos para casa para trocar de roupa, e todos nos encontraríamos por volta das nove horas. Ainda não estava muito contente por ter a companhia de Patrick e Carrie, mas já estava mais conformado com a idéia.

Chegando ao estádio, Pérola quis sentar nas arquibancadas em frente às garotas da torcida.

— Vamos sentar aqui — ela pediu. — Assim podemos ver todos os nossos amigos.

Ela acenou para Carrie, que respondeu chacoalhando um pompom vermelho.

Vi Micael sozinho em um canto e fiz sinal para ele vir se sentar conosco. A expressão de desolação que ele tinha não era normal.

Pérola ficou em pé e deu um abraço nele, que em seguida sentou-se.

— Oi, Micael, como vai?

Ele coçou a cabeça e esfregou o rosto, o que fez as bochechas ficarem vermelhas.

— Para falar a verdade, já estive melhor.

Aparentemente Pérola nem ouviu sua resposta.

— Então, quem você vai levar ao baile?

Ele balançou a cabeça negativamente.

— Eu não vou ao baile.

— Pensei que você fosse convidar a Rachel Hall — disse eu.

Ele andara criando coragem durante uns dois dias e tinha jurado que ia pedir a Rachel na sexta-feira depois das aulas.

— Eu achei que ela não iria gostar. Ficaria parecendo que eu achava que ela não tinha conseguido um acompanhante.

— Rachel Hall? Aquela garota desajeitada da biblioteca?

Dei uma cutucada nas costelas de Pérola. Ela era bonita e inteligente, mas diplomacia não era o seu ponto forte.

— Eu acho ela uma gracinha — falei. Micael fez que não se importava.

— Acho que Pérola está certa. Afinal o que eu tenho em comum com uma garota que trabalha numa biblioteca?

— Não acho que vai querer sair com ela. Tenho certeza de que você pode conseguir alguém muito mais popular.

— Lua gosta de Rachel — comentei. — Elas estavam na mesma turma de inglês no ano passado, e as duas viviam conversando sobre livros.

Atirei um olhar para Pérola tentando fazer sinal para que ela deixasse Micael em paz. Rachel era a primeira garota por quem ele manifestava interesse, e não me agradava ver Pérola colocando pedras em seu caminho.

— Bem, o fato de Lua gostar não quer dizer muita coisa. Ela não é exatamente a pessoa mais por dentro do que acontece no colégio.

A voz dela era suave, mas as palavras fizeram meu estômago revirar.

— O que você quer dizer?

Quase esquecera que Micael estava sentado perto de nós. Minha atenção total se voltava para Pérola.

— Bem, duvido que Lua seja popular entre a turma do último ano. Ela é legal, mas...

Pérola deixou uma interrogação no ar como se tivesse dito tudo que há para dizer sobre Lua.

— Mas o quê? Lua não fica de papo-furado com a turma por que tem um monte de coisas muito melhores para fazer. Como, por exemplo, dançar. Ou escrever. Ou passar uma parte de seu tempo conversando comigo.

Sabia que soara meio irritado, mas não deu para segurar. Se havia uma coisa que me tirava do sério era ouvir alguém falando mal da Lua. Eu poderia discorrer por horas sobre todas as coisas que ela faz que me perturbam, mas quando alguém falava mal dela eu perdia a linha.

— Desculpe, Arthur. Eu só quis fazer uma simples observação.

Pareceu que Pérola tinha ficado sentida, e na hora achei que talvez tivesse jogado pesado demais com ela. Afinal este é um país livre. Ela podia falar o que quisesse. Além do mais, Lua não precisava que eu a defendesse.

— Desculpe — disse eu, arrependido. — Acho que só estou sendo superprotetor em relação a Lua. Micael sabe o que quero dizer, não é?

Virei-me para a esquerda, esperando que ele confirmasse. Mas ele não estava mais ali. Ainda deu para vê-lo caminhando em direção às numeradas.

— Tudo bem, esquece — disse Pérola, colocando a mão em meu joelho. — Tenho certeza de que a gente pode se divertir bastante com outras coisas e não precisamos ficar falando da Lua.

Concordei em silêncio e coloquei meu braço em seus ombros.

— Concordo plenamente. Vamos falar de nós mesmos.

Enquanto Pérola comentava sem parar de como eu iria gostar de seu vestido de baile, eu olhava disfarçadamente para as arquibancadas.

A nossa direita e algumas fileiras acima, Lua estava sentada com Chay. Eles tinham um grande cobertor xadrez enrolado em volta deles, e não dava para ver se ela e o Cara-de-Panaca (era assim que chamava Chay em meus pensamentos) estavam de mãos dadas. Não que me importasse. Porém, de um ponto de vista social, achava muito interessante observar Lua se comportando de um modo totalmente contrário ao que era normal para ela. Em outras palavras, estava curioso.

Mel Fronckowiak estava sentada atrás deles. Com certeza o cara ao lado dela era o seu par para o baile, mas eles se sentavam a um metro um do outro. Mel tinha uma tremenda cara de pouco-caso, e não consegui segurar a risada. Lua me contara sobre Mel e o sutiã milagroso, e então eu me esforcei para conseguir dar uma boa olhada nela. Pelo que pude ver, parecia igual ao de sempre. Mas também ela vestia um casaco grosso, e por isso anotei mentalmente para conferir mais tarde, durante o baile.

Olhei meio sem querer para Lua. Estava morto de curiosidade para saber o que se passava debaixo daquele cobertor xadrez.

Nessa mesma hora Lua olhou para mim. Ela arregalou os olhos e em seguida desviou o olhar. Senti meu rosto avermelhando. Ela teria achado que eu a estava encarando?

A voz de Pérola cortou meus pensamentos.

— Meu pai disse que hoje posso ficar duas horas a mais do que o normal. Não é legal?

Cheguei mais perto de Pérola e dei um abraço grande e apertado nela.

— Legal! Muito legal mesmo!

— Eu sei. Especialmente porque vai ter uma festinha particular depois do baile e é só para convidados, mas tenho certeza de que vou estar na lista.

Concordei em silêncio, virando meu rosto em direção a Lua. Nossos olhares se cruzaram brevemente e ela se mexeu. O cobertor escorregou do seu colo, e finalmente pude ver que ela e o Cara-de-Panaca estavam mesmo de mãos dadas.

Fechei os olhos imaginando se ela sentia tanto quanto eu que encontrar o verdadeiro amor era assim tão difícil. Por alguma razão achei que no caso dela, não.

3 comentários:

  1. ameiiiiii posta mais!!!!!!!!!

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  2. POsta logo quando els descobrem que estao apaixonadoooos !!!!! amooo sua web
    by : Raissa Tafury

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  3. Posta mais porfavor todo dia eu leio sua web!!!

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