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segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Capítulo Um


Naquele dia alguma coisa mudou em mim de verdade, e nunca vou saber ao certo por que isso aconteceu. Pode ter sido o céu muito azul ou o cheiro forte e gostoso das rosas no ar. Ou porque passei os anos todos do colégio só assistindo de longe aos namorados, enquanto minhas colegas entravam nessa o tempo todo. Talvez porque já fazia quase dois meses que não via o Arthur e por isso me sentisse um pouco perturbada. Ou, quem sabe mesmo, pode ter sido apenas porque eu estava a fim de me apaixonar.


- Você sabe qual é o seu problema, Lua?

- Sim, eu sei. Meu problema é você me perguntar a toda hora se eu sei qual é o meu problema - respondi a Arthur, meu melhor amigo e, infelizmente, meu crítico mais severo.

- Errou de novo. - ele fez que não com a cabeça e deitou-se na grama.

Nós estávamos em um piquenique no Lago Gambler, numa conversa meio sem graça sobre como tínhamos passado às férias de inverno. Isso provavelmente estava aborrecendo Arthur.

Passar o feriado do Dia do Trabalho no lago era desde muito tempo uma espécie de tradição entre nós. Quando uma pessoa é nossa melhor amiga e vice-versa, certos rituais se tornam tão importantes que passar por cima deles faz com que ambos se sintam como se algo muito grave estivesse acontecendo. Foi por essa razão que não aproveitei a oportunidade de ficar á toa, curtindo com minhas colegas do Acampamento de Verão, e acabei vindo de avião do Minessota dois dias antes do fim do período de férias.

Não estou querendo me fazer de vítima, porque sei que Arthur também deixou de ir a um passeio de barco com seu amigo Andrew Rice, para passar aquele dia comigo. Por outro lado, isso não significava que eu estivesse louca para uma sessão "vamos analisar Lua". Para deixar bem claro meu tédio, suspirei da maneira mais dramática que pude.

- Certo, doutor Aguiar. Por favor, então me esclareça.

Arthur sentou-se e tirou da boca o talinho de grama que estava mordendo.

- Falando diretamente, você é o tipo de garota que segue ao pé da letra a dieta do chá gelado. E, o pior: é sempre sabor de limão, nunca pêssego ou morango.

Arthur sorriu (meio irônico para o meu gosto) e tornou a deitar-se. Ele se comportava como se tivesse acabado de resolver o problema da fome no mundo, mas para mim tudo não passava de um papo-furado confuso sobre chá gelado.

Se eu tivesse um pingo de cérebro, trataria de colocar o fone de ouvido de meu walkman e ignorar aquele comentário. Mas Arthur tem essa mania irritante de me encaixar na marra dentro de suas teorias.

- Mais alguma coisa? – perguntei - Ou você acha que só preciso parar de tomar chá gelado e, assim, meu último ano no colégio vai me trazer fama, fortuna, beleza e um grande e verdadeiro amor?

- AHHHHH!!!!! A senhorita ficou curiosa! - ele dramatizou enquanto falava, olhando pra frente, como se essa conversa estivesse sendo testemunhada por milhares de pessoas muito interessadas.

- Na verdade tem mais. Veja, Lua. Quando vamos ao mercado, temos muitos tipos de bebidas para escolher. Mesmo para quem procura um simples chá, é possível escolher entre dúzias de sabores diferentes.

- Sim, e daí?

Se eu não apressar o Arthur enquanto ele fala, poderemos ficar sentados por horas, eu ouvindo e ele dando milhões de voltas em torno de um assunto.

- Então porque você nunca escolhe maçã, por exemplo? Ou até mesmo manga?

- Nunca ouvi falar que manga fosse um sabor de chá.

- Está certo, mas a questão não é essa. O fato é que você nunca varia. Não diz: "Ei, manga pode ser interessante. Acho que vou experimentar". Em vez disso, segue sempre a mesma dieta de chá gelado e faz dele a sua única companhia.

- Chá gelado não é a minha única companhia. Você é que é.

Arthur pegou a garrafa de chá gelado de minhas mãos, já meio vazia, e tomou um grande gole.

- Lua, eu estou falando por metáforas, vê se me acompanha no raciocínio.

- Sim, estou acompanhando. Estou acompanhando...

- Em qualquer situação, você escolhe sempre o caminho mais seguro. Tem medo de tentar coisas novas. Tem vivido a sua vida toda como uma freira que prometeu seguir apenas um caminho, e só aquele caminho. Encare a verdade, você precisa variar.

- Por quê?

- Por quê? Porque se fizer isso, coisas incríveis podem acontecer.

- Por exemplo? - como comentei antes, Arthur tem a mania de me meter na marra dentro de suas teorias.

- Você poderia ser uma inventora, como o cara que inventou o telefone. Poderia ser uma cantora de sucesso. E, o que é mais excitante, poderia se apaixonar. Ou arranjar um namorado, ou pelo menos ter um encontro.
Suspirei profundamente. Minha vida amorosa, ou melhor, minha falta de uma, era um dos assuntos favoritos dele. Nos momentos mais inesperados - por exemplo, quando estávamos estudando matemática, eu podia contar com ele para me lembrar de minha existência sem namorados. "Esta equação é igual a sua vida amorosa, um monte de fatores desinteressantes que são iguais a zero."

Sei que estou passando a impressão de que o Arthur é uma pessoa insensível e só fala sobre coisas sem graça, mas não é nada disso. Acontece que ele não entende como nós, as pessoas normais, levamos a vida. Por normal eu quero dizer aqueles que não têm quase um metro e setenta e cinco, cabelos sedosos e lindos, olhos castanhos e um corpo absolutamente incrível. Para quem ainda não adivinhou essa é a descrição de Arthur, como meu amigo também é chamado, se não citei essa observação antes. Ele também é muito charmoso e tem um jeito irritante de fazer todo mundo gostar dele logo de cara.

Mas aquilo que ele estava dizendo sobre o medo, na verdade, tinha sentido. Eu sinto medo, em relação a um monte de outras coisas. E, principalmente, convivo com o terror da rejeição. Quero dizer, tenho visto tantas garotas chorando no banheiro, com o coração partido por causa de algum cara que decidiu lhes dar um fora bem no meio do pátio da escola! Daí, quando olho para essas garotas, sempre retocando o batom e saindo para o pátio para se mostrarem de novo disponíveis para a tortura, experimento a maior simpatia por elas. De verdade. Mas me pergunto também porque é que elas se colocam nessa situação. Ter um namorado é mesmo tão bom assim? Vale a pena sentir-se tão mal toda vez que se vê o garoto de quem se gosta colocar o bração em volta de outra garota? Eu acho que não, de jeito nenhum!

Sou o que minha mãe costuma chamar de Dona Arrepiandinha. Ela quer dizer com isso que não deixo ninguém chegar muito perto, papo de psicologia popular. Mas sempre digo a minha mãe que odeio psicologia popular. Ter todo mundo rotulado bonitinho, como se fosse apenas uma
Como Arthur estava dizendo, sou muito travada pelo medo. Mas, pergunto de novo, quem não é?

- Medo, é? - Apertei os olhos e encarei Arthur.

Ele tinha voltado de um período na fazenda de seu avô. Eu não pude deixar de notar que o trabalho na fazenda tinha feito maravilha por seus músculos do braço e do peito. Se, ao menos, ensinar jazz a um bando de meninas de dez anos pudesse fazer o mesmo por meu corpo!

Arthur concordou muito sério.

- Olhe para si mesma. Você tem dezessete anos e nunca namorou. Tem certeza de que quer passar seu último ano de colégio sozinha?

Assim já era demais! Agora era a hora de virar o jogo.

- E você, Arthur? Está certo que você tem uma coleção de namoradas, dessas que vai pegando por aí afora, de qualquer jeito. Vai me dizer, que quando está no seu carro, com uma dessas garotas, você não se sente sozinho, solitário?

- Pelo menos estou tentando arranjar companhia.

- Eu também tento...apenas não tenho o mesmo sucesso.

Arthur deu um risada.

- Você colocou isso na sua cabeça e não muda. O seu príncipe encantado poderia vir, com seu cavalo branco e tudo o mais, que você o deixaria passar.

- Não é bem assim não.

Infelizmente, quanto mais essa conversa se prolongava, mais eu sentia que Arthur estava levantando uma questão importante. Como desejava que ele fosse direto a questão e depois me deixasse comer meu sanduíche em paz!

- Prove então.

- Provar o quê?

Perguntei desviando o olhar para o chão, já arrependida por ter prolongado aquela conversa. Até comecei a pensar em algumas piadas sobre garotas de dez anos a quem ensinaria jazz. Faria qualquer coisa para que ele deixasse de lado os assuntos pessoais.

- Mostre-me que você quer mesmo se apaixonar.

- Como?

- Ora como? Se apaixonando, é claro.

- Arthur, isso não é como tirar um dez em história. A gente não sai simplesmente por aí e se apaixona porque quer.

- Como você sabe, se nunca tentou?

O papo já estava ficando ridículo. Arthur não iria desistir, e eu já estava me sentindo envergonhada. Ele adorava me ver em situação embaraçosa. Por algum motivo achava isso uma demonstração de afeto. Eu achava humilhante.

- Esqueça.

Disse com firmeza e mordi meu sanduíche e liguei meu i-pod. Se não prestasse atenção nele, talvez ele acabasse desistindo.

Arthur se aproximou e tirou meus fones de ouvido. Ainda pude ouvir a voz de Aretha Franklin abafada e meio estridente saindo dos fones.

- Preste atenção no que eu vou falar Lua. Eu desafio você a se apaixonar.

Já tinha percebido antes que virar o jogo contra ele acabava dando errado. Mas que chance eu tinha? Fiz uma tentativa desesperada.

- Está certo! Pois eu desafio você a se apaixonar. E não estou me referindo a um namorico de duas semanas com a garota que trabalha no Pizza Hut, não tá?

De repente fiquei animada, pensando em todas as condições que poderia impor sobre o romance dele.

- Nem estou falando de alguns encontros com a Sarah Fain, aquela peituda nanica. Estou falando de compromisso. Um encontro de personalidades.

Ele deu de ombros.

- Está certo. Você conseguiu.

- O quê?

Eu não esperava que ele realmente aceitasse isso tudo. Contava apenas obter um recuo do Arthur e uma chance de esquecermos toda aquela conversa.

- Eu desafiei você. Você me desafiou. Aquele que conseguir vence.

Sua expressão era muito séria, mas eu ainda tinha esperança de que a idéia toda fosse uma brincadeira.

- Você quer mesmo que nos desafiemos mutuamente a nos apaixonar?

- Por que não?

Perguntou ele, cruzando os braços e ainda sério.

Confesso que, para minha surpresa, eu estava começando a me interessar pelo assunto. Quem sabe o Arthur não tinha razão? Talvez já fosse tempo de Lua Blanco mostrar aos garotos, ou ao menos a um dos garotos do colégio Elite Way, do que ela era capaz. Além disso era nosso último ano do segundo grau. Se desse uma mancada, o pior que poderia acontecer seria ter de sofrer pelo resto do ano, e depois o jeito seria nunca mais mostrar minha cara nas reuniões. De qualquer modo, eu provavelmente não iria mesmo as reuniões de turma do colégio. Mas se quisesse continuar com a idéia maluca do Arthur, teria de fazer direito.

Eu não estava disposta a correr o risco de ter meu coração magoado só para encarar um desafio do meu amigo.

Então concordei, balançando a cabeça lentamente.

- Você está certo.

- Estou?

Pela primeira vez ele me pareceu um tanto inseguro.

- Claro que está. Mas vamos fazer disso uma aposta.

Os olhos dele se iluminaram. Ele adora apostar.

- Agora você sacou o lance, Lua. Vamos fazer uma aposta das grandes.

Eu estava deitada, apoiada nos cotovelos e então me sentei.

- Alguma idéia?

- O perdedor tem de preparar o almoço do vencedor por um mês?

Balancei a cabeça negativamente. Se a gente ia entrar nessa de desafio, então precisávamos fazer da forma correta. Se ganhar não tivesse muita importância, provavelmente nós dois deixaríamos a aposta de lado e logo voltaríamos a nosso antigo comportamento.

Ele tentou de novo.

- Que tal o perdedor ter de limpar o quarto do vencedor uma vez por semana, durante um ano?

- Isso não seria muito justo. Eu sou uma verdadeira maníaca por arrumação, e você, um bagunceiro.

- O perdedor deverá usar uma placa com as palavras "chute-me" por uma semana.

- Não. Isso não seria muito original.

- Cinqüenta pratas?

- AH, qual é Arthur? Você pode fazer melhor que isso!

Ele deitou-se na grama de novo, espreguiçou-se e fechou os olhos por causa do sol.

- Me deixe pensar um minuto. Vou fazer uma proposta que vai deixar o cabelinho da sua nuca arrepiado.


Adaptado Por Feer

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